O fio de água que abastecia o tanque cavado na rocha não era cristalino... Bem perto dali estava uma carcaça de dromedário em adiantado estado de decomposição... Restos de uma fogueira indicavam que haviam acampado há pouco tempo naquela paragem.
Teodorico notou a silhueta de uma pastor que caminhava vagorosamente entre suas ovelhas numa colina. O mais era o silêncio e o barulho da água que abastecia a fonte.
(...)
Sem dúvida, o lugar era ideal para abandonar o embrulho de Mary.
Enquanto a égua se demorava na fonte, o rapaz observou com atenção o
ambiente... Procurava um charco quando sentiu que, além do leve murmulho da
água, ouvia também um “pranto humano” junto da fonte.
O rapaz contornou uma
grande pedra e avistou uma mulher toda encolhida e em prantos... Agachada, curvava-se
para proteger a criancinha que tinha no colo. Suas vestes não passavam de
trapos, enquanto que suas lágrimas e cabelos desgrenhados davam-lhe um aspecto
inda mais triste.
Teodorico chamou Pote... O
guia avançou em sua direção trazendo a arma em punho... O português pediu-lhe
que perguntasse sobre o motivo de todo aquele pranto. Em meio às lágrimas, ela
respondeu algo sobre uma casebre incendiado e turcos que chegaram com seus
cavalos...
A condição miserável da
pobre mulher saltava aos olhos... Ela abraçou a criança, apertando-a contra a
face, e falou que já não tinha leite para lhe dar.
A mulher despejou mais
lágrimas de sofrimento... Sensibilizado, Pote entregou-lhe uma moeda de prata.
Topsius, que presenciou a
cena, pegou seus papéis para fazer alguns registros sobre o episódio,
relacionando-o à conferência que proferiria sobre “a Judeia Muçulmana”.
Teodorico também se
comoveu... Vasculhou sua algibeira e viu que já não tinha nenhum cobre, pois
havia dado um punhado ao criado que lhe trouxera o embrulho extraviado no
hotel.
Então, instintivamente,
lançou o embrulho da Maricoquinhas para aquela pobre desfavorecida... Pediu ao
Pote que lhe dissesse que aquilo guardava um “vestido de luxo, de amor e de
civilização”. E que ela poderia vendê-lo por pelo menos “duas piastras de ouro”
a qualquer pecadora das que viviam “junto à Torre de Davi”, como a gorda Fatmé
ou Palmira, a Samaritana”.
(...)
Depois do gesto de caridade, que no final das contas deixou Teodorico
mais aliviado, o grupo prosseguiu viagem..Apesar da escuridão, deu para notar ao longe que a mulher havia se
levantado e se voltado para o caminho que os estranhos tomaram. Ao mesmo tempo
em que beijava o pequeno filho, balançava os braços em sinal de agradecimento
aos desconhecidos viajantes..
(...)
Já na estrada, depois de algumas horas, o guia
que ia mais à frente e acomodado sobre a bagagens, “cantava à estrela de Vênus”
que anunciava o nascimento do novo dia... Era um “canto da Síria, áspero,
alongado e doente, em que se fala de amor, de Alá, de uma batalha com lanças, e
dos rosais de Damasco”...
(...)
Chegaram a Jafa ao
amanhecer...
Encaminharam-se imediatamente ao Hotel de Josafate... Teodorico logo
teve uma surpresa. Pois não é que no pátio do hotel estava o Alpedrinha*? O
rapaz usava um grande turbante branco. Ele não prestou atenção à chegada dos
novos hóspedes porque estava mergulhado em pensamentos.
* Mais sobre este
personagem em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_14.html.
Teodorico
deu-lhe um forte abraço e os dois trocaram umas ideias enquanto Topsius e Pote
seguiram em busca de informações sobre a embarcação que os levaria para o
Egito.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/02/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_10.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto