O doutor Margaride aprovava absolutamente a tudo o que estava ouvindo de Teodorico... Não se cansava de exclamar um “Magnifico!” depois de cada uma de suas revelações.
Na sequência ele quis saber se o rapaz e o seu companheiro Topsius não contaram com algum guia sábio para conduzi-los em meio às sagradas ruínas... Teodorico respondeu que contaram com “um grande latinista, o Padre Pote!”
(...)
Essa última foi demais! O folgazão Pote se transformou em “padre
latinista” nas inverdades contadas pelo Raposo!
(...)
No
mesmo instante, como se tivesse ensaiado toda a sua palestra, Teodorico falou
de certa “gloriosa noite”, quando acamparam “junto a Ramlê” sob uma lua
esplêndida a iluminar as paragens e ruínas da religião... Ele destacou que
ouviam rugidos de leões enquanto beduínos armados de lanças se ocupavam da
vigilância.
O relato deixou o
doutor Margaride agitado. O homem se levantou empolgado com a descrição da cena
que, no seu entendimento era inspiradora e digna dos cenários bíblicos...
Manifestou sua vontade de experimentar algo parecido e disse que, se lá
estivesse, não perderia a chance de escrever uma ode.
O
padre Negrão puxou o casaco do magistrado... Disse que, para que todos pudessem
aproveitar, era melhor deixar o ”nosso” Teodorico falar... Ainda impressionado,
Margaride respondeu que ninguém entre os presentes se identificava mais do que
ele com os eventos grandiosos.
O assunto se encerrou
depois que Dona Patrocínio interveio e disse que o sobrinho devia prosseguir...
E sugeriu que falasse de algo que lhe sucedera “com Nosso Senhor”, pois pretendia
ouvir coisas que os enchessem de ternura.
(...)
Todos silenciaram e
voltaram novamente a atenção ao Teodorico.
Ele passou a falar a
respeito de sua ida a Jerusalém... Contou que duas estrelas os guiavam e que o
fenômeno sempre ocorria quando peregrinos finos e de boas famílias faziam o santo
percurso.
Disse que chorou
quando avistou as muralhas da cidade santa numa manhã de muita chuva. E também
quando visitou o Santo Sepulcro com o Padre Pote... Nessa ocasião pronunciara
umas doces palavras em meio aos soluços. Dirigindo-se diretamente a Jesus,
dissera que estava ali “da parte de sua tia”.
Dona Patrocínio quase sufocava de tanta emoção e manifestou que o
sobrinho fizera um gesto de muita ternura “diante do tumulozinho” de Nosso
Senhor.
Teodorico aproveitou para caprichar em sua encenação... Fez uma
fisionomia excitada e passou o lenço pelo rosto... Depois disse que naquela
noite se recolhera ao hotel para rezar.
(...)
Na sequência de sua narração, disse que, depois
que voltou da visita ao Santo Sepulcro, se recolheu para rezar no hotel... Mas
acrescentou que ocorreu um fato muito desagradável, pois, por motivação
religiosa, em defesa de Portugal e da honra de seu nome, atracara-se “com um
grande inglês de barbas”.
Mostrando-se
inconformado, o padre Negrão exclamou sua indignação... Como é que podiam se
envolver em discussões ríspidas “na cidade de Jesus Cristo”? Mas aquilo só
podia ser um desacato!
Teodorico já considerava o padre um desafeto... Encarou-o confirmando
que, de fato, o ocorrido havia sido dos mais desagradáveis... Todavia o próprio
Patriarca de Jerusalém lhe dera razão!
Fez
essa afirmação e quis saber o que o Negrão tinha a comentar... O sacerdote
baixou a cabeça e deu a entender que, se a principal autoridade religiosa da
Cidade Santa aprovara, ele mesmo não
tinha mais argumentos.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/02/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_81.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto