Mas não é que Teodorico achou que devia se aproximar da jovem religiosa?
A sorte parecia favorecê-lo... Ele viu que a madre rechonchuda, que parecia ser a superiora, não a acompanhava. De repente, Teodorico achou que não tinha por que não arriscar uma conquista amorosa ali mesmo... Seria a oportunidade de ter entre os braços a monja indefesa. Foi por isso que ele decidiu se acercar-se dela para dizer-lhe algo.
Teodorico diria que estava enamorado pela “irmãzinha”... Todo empolgado e a torcer os bigodes, caminhou em sua direção. A jovem instalara-se num banco para rezar o rosário.
Tudo parecia se encaminhar para o encontro... Mas de repente as ondas do Mar de Tiro agitaram fortemente a embarcação e trouxeram enjoo ao estômago do valente enamorado, que não teve outra reação a não ser a de correr para a borda e despejar a imundície de seu vômito nas águas azuis.
(...)
Depois de passar pela
vexatória situação, Teodorico dirigiu-se à cabine e atirou-se no beliche...
Permaneceu estirado até que sentiu que a embarcação passava por águas mais
calmas.
Ao
voltar ao tombadilho, reconheceu as terras egípcias e suas areias quentes e da
cor de leão... Avistou os longos minaretes visitados por pombos e o palácio
entre palmeiras...
O farol continuava
imponente e em sua posição... À maravilhosa construção, o doutor Topsius
dispensava umas palavras de grande sabedoria. Enquanto isso, a jovem e pálida
religiosa deixava a embarcação...
Teodorico pensou que
a pequena pomba escapara porque o grande milhafre “havia fechado a asa no
instante em que partia para o ataque e caia enjoado”.
(...)
Instalaram-se novamente
no Hotel das Pirâmides...
À tarde, Teodorico
ficou sabendo que o vapor El Cid Campeador partiria nas primeiras horas do dia
seguinte para Portugal carregado de gado.
Deu tempo para um último passeio de carruagem ao lado do companheiro
alemão às margens do canal do Mamudiê... Depois, por umas poucas horas
prazerosas, caminhou por uma rua iluminada parcamente por bicos de gás
desprotegidos de globo...
Ali, as casas eram baixas e de madeira... A maioria delas era fechada
apenas por uma cortina branca. A atmosfera estava impregnada pelo cheiro de
alho e de sândalo... Em frente às casinhas, mulheres estavam vestidas “em
camisa” e se acomodavam sobre esteiras exibindo as flores que traziam nas
tranças. Havia sempre as que se esforçavam num sofrível inglês ou francês e
arriscavam convidá-los.
Os registros não deixam claro se Teodorico e
Topsius aventuraram-se com as oferecidas alexandrinas... Apontam simplesmente
que o rapaz recolheu-se “exausto e já bem tarde”... No caminho para o Hotel,
passou pela Rua das Duas Irmãs e, ao avistar a loja onde conhecera Mary,
resolveu desferir um golpe de bengala na porta.
(...)
Bem cedo, Teodorico
seguiu para a alfândega...
Topsius o acompanhou para se despedir. Os dois trocaram um longo abraço
e logo que se apartaram, o Raposo ditou seu endereço, “Campo de Santana, 47”...
O alemão deu a entender que em breve lhe escreveria e enviaria os trinta mil-réis
que ficara lhe devendo.
Como
que a colocar fim aos “assuntos de pecúnia”, Teodorico abraçou o companheiro
uma última vez. Depois ingressou no bote que o levou ao Cid Campeador...
Enquanto fazia isso, consultou o amigo mais uma vez a respeito da preciosa
relíquia que levava para a tia... Podia mesmo dizer a ela que se tratava da “verdadeira
coroa”?
O alemão levantou os
braços e garantiu que ele podia dizer que “foi a mesmíssima, espinho por
espinho”... Podia dizer isso em nome do cientista que conhecera durante a
viagem...
(...)
Os companheiros
beijaram-se nas faces...
Os remadores levaram
o bote para junto do vapor.
Com todo o cuidado, o
rapaz depositou a relíquia sobre os joelhos... Graças a uma pequena vela, a
travessia estava sendo vencida com rapidez. E foi assim que o bote que o levava
passou por outro que conduzia a jovem religiosa para os lados do palácio
cercado de palmeiras. Teodorico encheu-se de coragem, levantou-se e gritou
chamando-a “filhinha e namoradeira”...
Mas ficou nisso... Cada um foi para o seu lado...
Talvez os dois
formassem um belo casal... Mas o mundo leva consigo muitas imperfeições...
A
jovem rumaria para o convento de sua congregação... Ele voltaria para a tia.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/02/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_13.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto