sábado, 17 de fevereiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – testemunhas ou provas materiais jamais alcançariam o Campo de Santana; vale triunfar diante dos amigos da tia enquanto não chega o momento de se tornar senhor de todas as posses

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/02/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_15.html antes de ler esta postagem:

Depois que a tia Patrocínio deixou o quarto, Teodorico refletiu sobre a única possibilidade que, no seu entendimento, o eliminaria do rico testamento: Se ela encontrasse em suas coisas o menor resquício que evidenciasse suas “relaxações” seria o seu fim!
Ao repensar as providências que havia tomado, considerou que não havia risco de o pecado cometido no Egito ser descoberto... Suas “relaxações” tinham se tornado fumaça.
As únicas testemunhas dos fatos pecaminosos eram a própria Maricocas luveira e o doutor Topsius... Ela havia se transferido para a remota Tebas, e naquele momento mesmo devia estar se divertindo com o italiano fotógrafo... Já o alemão devia estar instalado em um gabinete de universidade, e empolgado com a sua pesquisa sobre os Herodes.
A única prova material de seus “culpados delírios” experimentados “na cidade amorosa dos Lágidas” (a camisa de Mary) devia ter sido repassada a alguma prostituta de Sião. De tão usada “nos serviços do amor”, seu tecido se gastaria, as rendas se esgarçariam e, por fim, seu destino seria o “lixo secular”.
(...)
Restava apenas aguardar que a velha se extinguisse...
O rapaz estava ansioso... Será que ela ainda estaria viva no próximo ano? Essa sua inquietação levou-o a soltar a voz numa prece à Santa Virgem Maria... Pediu que a Santa Mãe de Deus providenciasse rapidamente o fim daquela existência que tanto o estorvava.
(...)
Pronunciava as palavras dramáticas enquanto a sineta do pátio acusava a chegada de alguém.
As badaladas eram típicas do Justino... Depois ouviu-se novo repique, dessa vez “majestoso”... Teodorico não teve dúvida de que o doutor Margaride também acabava de chegar.
Não demorou e a porta do quarto se abriu... Dona Patrocínio entrou atabalhoadamente e disse ao sobrinho que era muito amiga do Justino e do doutor, sem dúvida eles eram pessoas virtuosas. Mas com base no que ele mesmo havia lhe falado, achava melhor abrir a preciosa relíquia num momento em que estivessem apenas as pessoas da igreja...
Teodorico a ouviu sem deixar de observar a arrogância da velha, que se considerava “membro da igreja” como os amigos padres que se reuniam em sua casa. Depois achou graça por notar que, de fato, ela o estava vendo como uma “quase pessoa do céu”, que tinha autoridade para sentenciar a respeito de certos rituais.
Por fim, respondeu que o Patriarca de Jerusalém havia recomendado que a santa relíquia devia ser revelada na capela, à luz das velas, e “diante de todos amigos da casa”.
Na sequência, recomendou à tia que dissesse à Vicência para limpar as suas botas... Sem esconder a empolgação, Dona Patrocínio apressou-se a, ela mesma, pegar as botas imundas. Ela se retirou levando os calçados, garantindo que logo eles estariam de volta, e bem limpos.
(...)
Novamente sozinho, Teodorico pensou no quanto a tia estava mudada... Ela passara a respeitá-lo e a admirá-lo. Olhou-se no espelho e ajeitou a gravata enquanto espetava “uma cruz de coral de Malta” em seu cetim.
Em breve seria o centro das atenções de todos os amigos da velha... Ele reinaria... Seria visto como o mais santificado entre todos. Mas, intimamente, sabia que esperava outra coisa. Se pudesse, apressaria a morte da tia...
Teria de espancá-la?
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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