domingo, 18 de fevereiro de 2018

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – reencontrando os amigos da tia endinheirada para uma palestra sobre a viagem à Terra Santa; Teodorico, o centro das atenções; padre Negrão, antipatia à primeira vista

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/02/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_17.html antes de ler esta postagem:

Chegou o momento de Teodorico aparecer na sala...
Fascinado, observou com toda atenção o ambiente... A velha tia  permaneceu no sofá, séria e com as joias que só usava em ocasiões especiais... Talvez pela primeira vez não estivesse sendo o centro das atenções, já que seus amigos tinham os braços abertos para receber o seu querido sobrinho.
Num dos cantos estava um padre magro... O tipo se posicionava encurvado e mantinha os dedos sobre o peito... Era quase impossível não notar seus “dentes afiados e famintos”. No mesmo instante o rapaz entendeu que aquele só podia ser o Negrão.
Teodorico aproximou dois de seus dedos e disse que estimava vê-lo entre os amigos da tia... O padre Negrão respondeu que sentia-se honrado e puxou os dedos do aguardado romeiro em direção ao próprio coração. Num movimento, o religioso manipulou o abajur de modo a iluminar a face do tão falado peregrino. Foi o padre Pinheiro, que também estava presente, quem sentenciou que o jovem estava “mais magro”.
Justino completou que Teodorico regressava “mais queimado”... O Margaride emendou com um “mais homem”. Como que a finalizar as considerações de todos a respeito do regresso de Teodorico, o padre Negrão voltou-se para a dona da casa e disse que o moço inspirava o respeito de quem era “inteiramente digno de ser o sobrinho da virtuosíssima Dona Patrocínio”.
(...)
Depois começaram as já esperadas perguntas... Um quis saber da saúde do romeiro, outro quis conhecer sua opinião a respeito de Jerusalém... E mais perguntaram sobre as comidas e outros detalhes. Porém a tia sinalizou com o próprio leque e deu a entender que deviam parar de importunar o “São Teodorico”. O padre Negrão não perdeu a oportunidade de ampará-la e disse que todos ali precisavam de método e que, assim sendo, era melhor deixarem o (“nosso”) rapaz falar de acordo com sua disponibilidade.
(...)
No mesmo instante Teodorico detestou o uso daquele “nosso”... E odiou o padre Negrão.
Ficou intrigado com o modo de falar do tipo... E também não entendia por que ele estava ocupado posição privilegiada no sofá, ao lado da tia e encostando o joelho em seus “castos cetins”...
O doutor Margaride disse que concordava com a “ideia do método” proposta pelo padre... Enquanto abria sua caixinha de rapé, propôs que todos se sentassem formando uma roda para ouvir as maravilhas que Teodorico tinha a dizer-lhes.
O padre Negrão providenciou um copo com água açucarada e o ofereceu ao rapaz... Um pequeno regalo para que suas vias permanecessem lubrificadas enquanto falasse.
(...)
Teodorico abriu o lenço sobre o joelho e pigarreou discretamente... Então pôs-se a falar sobre sua longa jornada.
Falou da luxuosa Málaga e também do imponente morro de Gibraltar... Não se esqueceu de mencionar as “mesas redondas, pudins e águas gasosas”. Nesse momento, o padre Pinheiro, que tinha os olhos brilhantes, deixou escapar um “tudo grande, à francesa”. Depois, como a se corrigir, o religioso ressaltou que “naturalmente, tudo muito indigesto”.
Teodorico voltou-se para ele e confirmou que, de fato, era “tudo grande e à francesa”... E destacou que os alimentos eram saudáveis e não “esquentavam os intestinos”... Assim eram os rosbifes e as carnes de carneiro.
O padre Negrão se intrometeu a dizer que nada daquilo valia o “franguinho de cabidela” da excelentíssima Dona Patrocínio.
Ao vê-lo ombro a ombro com a tia, Teodorico ainda mais execrou o tipo.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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