Alpedrinha contou que partira de Alexandria com grande tristeza... O trabalho no Hotel das Pirâmides tornara-se enfadonho para ele... Disse também que passou a sentir uma grande saudade dos mares, das cidades carregadas de história e de “multidões desconhecidas”... Isso foi à época que Teodorico e o intelectual alemão viajaram para Jerusalém.
Contou que quando um judeu de Quechã se instalou no Hotel das Pirâmides, surgiu a oportunidade que ele esperava... O tipo anunciou que seguiria para Bagdá, onde fundaria uma estalagem com bilhar. Alpedrinha explicou que o homem o convidou a segui-lo e ofereceu-lhe trabalho como “marcador”.
(...)
Então é isso... O conterrâneo explicou que juntou suas economias de
longo tempo de trabalho no Egito e partiu para a aventura às margens das lentas
águas do Eufrates. Todavia havia decidido passar uns tempos em Jerusalém,
conhecer a Via-Dolorosa...
O
moço interrompeu a falação sobre seus projetos e quis saber se Teodorico tinha
notícias de Lisboa... Ele mesmo gostaria de ouvir algo a respeito dos
patrícios, mas não lhe chegavam às mãos os jornais portugueses.
(...)
O Alpedrinha falava
com tristeza, mas os pensamentos de Teodorico eram outros. Ele sorria enquanto
se lembrava do calor do Egito, e também da “rua clara das Duas Irmãs, a capelinha
entre plátanos, as papoulas do chapéu da Mary”... E foi assim que sentiu que
gostaria de vê-la novamente, pois de repente sentiu falta de seus lábios
grossos e gritos apaixonados... Tornou-se bom saber que em breve retornaria à
sua lojinha. Ele estaria “queimado pelo sol da Síria e mais forte” e surgiria
tão de repente que o gato branco da loura Mary se assustaria.
É
claro que ela perguntaria da camisa que lhe dera de presente... Ele responderia
que uns cavaleiros turcos armados com lanças a haviam roubado...
(...)
Teodorico quis saber
se o Alpedrinha podia falar a respeito da Maricoquinhas... Sabia notícias dela?
O rapaz ficou ruborizado e baixou a cabeça... Na sequência disse que a
inglesinha já não podia ser encontrada em Alexandria, pois se mudara para
Tebas...
O Raposo estranhou...
Exclamou que Tebas era toda ruínas e ficava no Alto Egito, para as bandas da
Núbia! Mas o que dera em sua querida para ir para um lugar daqueles?
Alpedrinha respondeu que a jovem iria apenas para tornar ainda mais
linda a vista do lugar histórico... Teodorico não entendeu muito bem... Mas
tudo se esclareceu quando o outro completou que um italiano de longos cabelos a
encantara... O tipo era fotógrafo e a convenceu a partir com ele para o sul do
Egito, onde fotografaria ruínas de palácios e tudo o que havia de referência
sobre Ramsés e o deus Amon...
Mary, a inglesinha, seria fotografada pelo italiano... Ela apareceria
junto às “vistas” que tanto chamavam a atenção de turistas... Alpedrinha
parecia saber o que dizia, ou então calculava os ensaios com precisão...
Cogitou que não seria improvável que ela pousasse com o seu pequeno guarda-sol
e chapéu de papoulas.
As palavras tornaram Teodorico irritadiço...
Vociferou que ela era uma descarada. Depois perguntou se ela havia seguido o
italiano por causa do trabalho ou porque estava gostando do tipo... Alpedrinha
sentenciou que ela estava “caidinha pelo gringo”.
(...)
O interessante é que
o rapaz disse isso e deixou escapar um longo suspiro. Essa reação não passou
despercebida por Teodorico, que suspeitou que o patrício tinha muito mais a
dizer a respeito da inglesinha.
Ele perguntou se o rapaz havia se envolvido com a garota... Alpedrinha
baixou a cabeça e seu grande turbante rolou pelo chão... Sua fisionomia arrependida
o denunciou... Teodorico agarrou o seu braço e disparou que ele devia contar a
verdade...
Os dois tinham com as
faces ruborizadas... No caso de Alpedrinha, o receio inicial tornou-se vaidade,
então ele virou-se para o inquiridor e respondeu que também a havia “petiscado”.
Àquela
altura da conversa, Teodorico já esperava ouvir isso mesmo... Mas sua reação
foi a de largar o braço do rapaz com fúria e repugnância. Seu pensamento foi
tomado por lamentações... Seria mesmo possível ser traído por que aquela que lhe
demonstrara tanto afeto? Ainda mais com aquele miserável patrício!
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2018/02/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_11.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto