O desprezo de Lewis e a falta entretenimento alternativo levaram Anne a se refugiar na embriaguez.
Em pouco tempo não conseguia nem mesmo pensar na vida em Paris, em Robert ou nos amigos... Não vislumbrava mais futuro, e o passado parecia se esconder no inconsciente.
Era sufocante se sentir presa e ao mesmo tempo desprezada por Lewis... Anne sentia como se precisasse “escapar de si mesma”... E tanto bebeu que o próprio organismo deixou de reagir ao álcool.
Seus pensamentos tornaram-se ainda mais confusos... Devia renunciar o desejo de se deitar com um homem? Devia assumir definitivamente a condição de “senhora envelhecida”?
Enquanto Lewis não largava o jornal, esses questionamentos a torturavam... De repente ela o ouviu bocejar. Isso a levou a entender que a tragédia parecia definitivamente sacramentada. No mesmo instante pôs-se a chorar e atirou-se sobre o divã...
(...)
Quem a visse concluiria que havia chegado ao “fundo do
poço”.
Lewis reagiu com irritação. Retirou-se bruscamente manifestando que
quando a via chorar tinha vontade de não mais voltar. Foi até o gramado e começou
a regá-lo... Entrou novamente e viu que ela continuava a chorar.
Discutiram, e em síntese Anne argumentou que estava se sentindo
abandonada... Sem muita clareza, disparou que a qualquer outra ele prestaria
ajuda... De sua parte, Lewis respondeu que nada podia fazer diante de uma
mulher que só sabe chorar... Disse também que não se sentia bem ao vê-la “perder
a cabeça”.
(...)
A situação parecia ter chegado a um impasse.
Foi Anne quem buscou o diálogo que os trouxe a novo entendimento.
Lamentou ter se tornado “pesada” para ele, mas queria que ele entendesse a
situação de quem estava longe de seu país unicamente para permanecer ao seu
lado.
Lewis sustentou que não
havia motivos para chorar só porque ele não estava disposto a conversar no
momento em que ela fizera tanta questão. Para Anne, não se tratava simplesmente
de fazer-lhe as vontades... Insistiu que ele a tinha convidado garantindo que
ficaria contente ao revê-la e, no entanto, vinha se mostrando muito hostil.
Ele procurou deixar claro
que não tinha intenção de maltratá-la... Defendeu-se afirmando que também não
sabia o que fazer quando ela se comportava como a “maior das injustiçadas”... E
concluiu dizendo que reconhecia a sua gentileza... E que foi exatamente essa
gentileza que o havia feito mudar no ano anterior.
Para Anne ficava o
paradoxo... Como mudar o seu modo de ser, tornar-se desagradável, apenas para
não confundir os sentimentos do outro? Será que sua única saída seria o retorno
antecipado para Paris?
(...)
Lewis disse que não desejava que ela se fosse...
Anne sabia que isso era
sincero de sua parte. Respondeu-lhe que também não queria deixá-lo e pediu que
não a detestasse por isso... Ele manifestou que ela não precisava pensar
daquela maneira porque “não estavam naquele ponto”.
Anne havia usado um tom dramático para sensibilizá-lo.
Dissera que seria capaz de se deitar num fosso para fugir daquele enredo
dramático... Percebeu que ele não lhe dera importância e agora se via
justificando por se sentir paralisado diante de suas manifestações exageradas.
Aos poucos voltaram a se entender.
Ela o fez ver que não carregava nenhum sentimento
rancoroso em relação a ele... Esperava que ele se livrasse da desconfiança que
nutria em seu peito, pois assim poderiam aproveitar melhor o que restava da
temporada.
Lewis pediu perdão... Anne também se desculpou...
Ele prometeu que experimentaria tratá-la com mais gentileza.
Enfim voltaram a ser amigos.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/08/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_3.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto