No dia seguinte Anne encontrou-se mais uma vez com Philipp e Myriam...
À tarde fizeram passeios por parques, avenidas, mercados...
Depois que os amigos se foram para Nova Iorque, ela não se sentiu à vontade para seguir à casa de Lewis (conforme tinham combinado, deviam se encontrar à meia-noite).
Definitivamente não queria ficar sozinha no ambiente cuja atmosfera era de luto e abandono.
(...)
Resolveu entrar num cinema... Depois vagou pelas ruas... Era a primeira
vez que passeava por Chicago à noite...
Não precisava que a guiassem... Sabia se virar. Mas
não sabia o que podia fazer para passar o tempo.
Sentia-se como se adentrasse a “festa sem ter sido convidada”. Percebeu
que seus olhos se enchiam de lágrimas. Depois de algum esforço conseguiu evitar
o choro.
Era preciso suportar, sobreviver ao amor perdido... Pensou que o mundo é
rico demais, e pobre também... O passado era-lhe pesado, mas também tem muito
de leveza...
O momento era belo... Todavia ela sabia que não havia como “fabricar a
felicidade”.
(...)
No momento que considerou mais conveniente, Anne tomou o táxi...
Ao chegar à “alameda balizada
por latas de lixo” entendeu que vivenciava os momentos derradeiros da temporada
com Lewis... Ouviu um apito de trem ao longe.
Quando entrou, notou que
havia iluminação no quarto. Viu que Lewis estava dormindo. Deitou-se ao seu
lado e pensou o quanto havia chorado ali... Perguntou-se por que chorara tanto.
Definitivamente aquele não era o Lewis por quem devotara tanto amor... Era um
desconhecido que lhe permitira um “pedaço de sua enxerga”.
De repente ele
perguntou-lhe as horas... Meia-noite (conforme haviam combinado)... Ela disse
que não quis chegar antes... Lewis explicou que não haveria nenhum problema,
pois já fazia duas horas que retornara.
Estivera acordado o tempo todo. Sua voz denunciava isso...
Comentou que a atmosfera da casa era triste. Anne
concordou e comparou-a a um “saguão funerário”.
Lewis emendou que, ainda
por cima, o ambiente perdera sua serventia... Tipos que a frequentaram (a
pequena meretriz, a louca, o batedor de carteiras...) certamente não o
visitariam em Parker... Sua nova residência seria “mais ajuizada”.
Ela quis dizer que na casa de Chicago havia mais
magia... Ele não admitiu tanto... Todavia concordou que ali apareciam
pessoas... E “coisas aconteciam”.
As palavras de Lewis soavam poéticas... Era mais ou menos como Philipp
entendia o modo de ser dos índios da América Central...
(...)
Ela sabia que ele passara
por muitas decepções, inclusive as do amor... Também para ele devia ser difícil
“retomar a posse de si mesmo”.
Anne pensou sobre isso se convencendo de que não
mais choraria... Tinha de aceitar que, para ele, nenhuma saudade permaneceria.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/08/os-mandarins-de-simone-de-beauvoir_7.html
Leia: Os
Mandarins. Editora Nova Fronteira.
Um abraço,
Prof.Gilberto