Tertuliano salientou que poderia levar cinco ou seis filmes no caso de o funcionário da locadora encontrá-los...
O moço respondeu que aquele total equivaleria a umas nove horas de sessão. Enquanto isso, o professor contemplava um cartaz que anunciava “A Deusa do Palco”, filme recente da produtora... Duvidou que o nome do artista, que era o seu “vivo retrato”, constasse da lista (em letras diminutas) localizada na parte de baixo.
Não demorou e seis títulos foram colocados sobre o balcão... O funcionário garantiu que a loja possuía outras fitas, mas em atendimento ao solicitado trouxe apenas aqueles.
Tertuliano aprovou. Explicou que no dia seguinte poderia passar para pegar os outros que fossem selecionados. O rapaz quis saber se podia encomendar outros, mas o professor insistiu que começaria seu estudo pelos filmes catalogados na locadora.
O funcionário fez o cálculo de cabeça e chegou a uma soma equivalente ao valor de venda... Tertuliano o corrigiu, pois sua intenção primeira era de alugá-los. Salientou que, no caso de encontrar o que procurava, podia comprar um ou até todos eles.
Tertuliano pagou e se despediu...
Nem bem o professor se retirou e o funcionário decepcionado por não ter vendido os outros filmes resmungou baixinho uma ofensa que envolvia o nome Tertuliano.
(...)
Nada que merecesse registros ocorreu no percurso entre a locadora e a
casa...
É Saramago mesmo quem se diverte ao narrar que se tivesse de escrever
sobre os pensamentos de seu protagonista talvez a escrita tomasse outra
temática... Portanto, como o mais sensato é prosseguir na trama iniciada desde
a primeira página do livro, é a ela que retornamos.
(...)
Além de sua pasta, o professor carregou o saco plástico com as seis
fitas que pretendia assistir antes de dormir.
A questão era o seu
interesse pelo ator secundário... Não tinha a menor ideia se o tipo apareceria
em algum daqueles filmes, e muito menos em quais momentos... Se seu alvo fosse
artista renomado, certamente a aparição ocorreria “às primeiras imagens”.
Tão logo entrou, pôs-se a
organizar o ambiente... Depositou a pasta na escrivaninha e acomodou o saco com
os vídeos ao lado. Trocou de roupa... A atmosfera era das melhores, merecia uma
cerveja, e é por isso que ele foi à geladeira antes de dedicar-se à arrumação
das fitas.
Os filmes foram
dispostos lado a lado, do mais antigo para o mais recente. Dessa forma, o que
ficou na primeira posição foi “O Código Maldito”, que era dois anos mais antigo
do que “Quem Porfia Mata Caça”... Depois vinham “Passageiro Sem Bilhete”, “A
Morte Ataca de Madrugada”, “O Alarme Tocou Duas Vezes”, Telefona-me Outro Dia”
e “A Deusa do Palco”.
(...)
Manipulando o penúltimo filme teve o impulso de virar-se para o aparelho
de telefone... Assim constatou que havia gravações na secretária eletrônica.
Acionou a reprodução e
ouviu a bem conhecida voz feminina, que lamentou o fato de não se falarem a uma
semana... Se ele pretendia terminar a relação, então era preferível que conversassem
frente a frente... Haviam discutido, mas isso não era motivo para não se
falarem... Ela ainda gostava dele... Despediu-se com "um beijo".
Na sequência, a mesma voz solicitava que retornasse a
ligação assim que pudesse.
A terceira chamada era do colega
de Matemática... Em síntese, o professor manifestou sua impressão sobre a
conversa que haviam tido no corredor da escola... Não recordava nada que
pudesse ter dito que o ofendesse... Sendo assim, deviam conversar novamente e
se entender... Se algum mal-entendido ocorrera, antecipava-se a pedir desculpas...
O telefonema em si já tinha essa finalidade.
Por incrível que pareça, Tertuliano já não se recordava plenamente do
que se passara entre ele e o de Matemática.
Repassou as gravações e sorriu ao ouvir mais uma vez a
voz da namorada.
Por algum motivo sentiu-se satisfeito...
Ainda trataremos a respeito de Maria da Paz por aqui.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/08/o-homem-duplicado-de-jose-saramago_28.html
Leia: O
Homem Duplicado. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto