domingo, 8 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – um dia no hotel Metropol – Parte I; calor e álcool; Wally, An e Papa

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/a-guerra-do-futebol-de-ryszard.html antes de ler esta postagem:

Um dia no Hotel Metropol...
Os hóspedes estrangeiros do Metropol enfrentavam muitas dificuldades em Gana... O intenso calor mingua a resistência daqueles acostumados ao clima mais ameno.
Kapuscinski não deixa de observar que a situação de desconforto era ”remediada” com várias doses de bebida... Ele até diz que “nos trópicos, beber algo é obrigatório”... É com certo espanto que verificou que invariavelmente as pessoas, assim que se encontravam, decidiam o que beberiam antes de conversarem a respeito das novidades e motivos que as levaram a se reunir.
Bebia-se durante o dia... Ao final do dia “a bebida era obrigatória”... À noite, a sede e o ar abafado invariavelmente provocam as insônias intermináveis. A bebedeira acontece contra esses desconfortos.
(...)
Um dos hóspedes era tio Wally... Este inglês tornou-se alcoólatra inveterado... Mestre-de obras em Londres, havia se transferido para a África ao tempo da guerra... Nunca mais retornara ao seu país. Continuava a se apresentar como operário da construção civil, mas já fazia um bom tempo que pouco se dedicava ao trabalho.
Wally tinha 54 anos quando Kapuscinski o conhecera, andava em trapos e arrastava uma velha sandália... Os ingleses do bairro chique, Cantonments, insultavam-no, chamavam-no de “dyrt lump” e diziam que ele não devia se apresentar como britânico...
Este tipo era mesmo digno de piedade... Magro e tuberculoso, afirmava que isso era mais um motivo para as muitas doses diárias de uísque. Metade do que recebia era destinada ao pagamento por sua hospedagem no Metropol... O resto ele torrava em bebida.
O que restava ao Wally? Beber e aguardar a morte...
(...)
O proprietário da balsa hospedaria era o “árabe libanês” Habib Zacca, que era chamado por todos de Papa. Este tipo preocupava-se com a saúde do Wally, por isso discutiam sempre que este pedia mais doses.
Kapuscinski também cita An, que era uma jovem de uma tribo do norte, os nankani. A garota possuía muitas tatuagens espalhadas pelo rosto... Seu povo tinha o antigo costume de mutilar todos os que nasciam (testas, bochechas e narizes eram deformados). Isso era uma forma de evitar que fossem capturados por traficantes que os encaminhavam a brancos escravistas.
Os olhos da pequena eram meigos e atrativos... Tinha o hábito de se aproximar dos estranhos até sensibilizá-los... Então pedia dois xelins. Por certo tempo, An foi namorada de Papa... Um belo dia ela enfeitiçou o pobre Wally, que se tornou apaixonado. Mas ela só aparecia quando precisava de algum dinheiro para o táxi.
Kapuscinski conta que Wally dizia que pararia de beber se An se decidisse a ficar com ele... Até automóvel ele compraria! Mas a moça apenas desdenhava... Não queria nada daquilo, porém fazia questão de uma companhia que lhe desse amor e o conforto que apenas os “reis brancos” podiam oferecer... E não um quartinho como aquele que ele ocupava no Metropol!
Não suportando o desdém e o tratamento infame dispensado ao seu hóspede, Papa agarrou An pelo braço e a expulsou de seu hotel. Desde então, Wally não se cansava de manifestar a sua decepção em relação às mulheres... Dizia que a única na qual podemos confiar é a própria mãe.
Kapuscinski achava Wally muito inteligente e por isso gostava de conversar com ele... Sua narrativa sobre o casal de louva-deus africano era emblemática... O bêbado dizia que a corte é breve e que, depois do acasalamento, as fêmeas matam os machos... Por que haveriam de importuná-los “pelo resto de suas vidas”?
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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