sábado, 7 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – um pouco sobre o autor e seu tempo; agitações políticas e sociais por todo o mundo; uma guerra por causa do futebol?

A Guerra do Futebol é livro do jornalista e escritor polonês Ryszard Kapuscinski (1932-2007).
Com um título desses, não é difícil pensarem que o seu ofício de repórter se desse à beira de gramados, no contato com craques de futebol, cobrindo partidas clássicas envolvendo torcedores fanáticos... Coisas do mundo dos esportes.
Não é nada disso... A Guerra do Futebol reúne uma série de textos que parecem retirados do diário do autor... De fato, o título não sugere o conteúdo repleto de relatos de experiências vivenciadas em coberturas jornalísticas dos anos 1960, todas elas relacionadas e episódios políticos na África, Oriente Médio, Mediterrâneo e América Latina.
Mas é verdade que o título do livro também dá nome a um dos relatos. Ele trata de uma guerra entre Honduras e El Salvador no ano de 1969, após uma partida de futebol válida pelas eliminatórias da Copa do México, que foi disputada no ano seguinte. Um conflito armado entre duas nações por causa de uma partida de futebol? As considerações do autor revelam-nos que os motivos extrapolavam os campos gramados dos estádios.
(...)
Kapuscinski foi profissional da agência PAP, estatal polonesa de notícias. O Jornalismo o colocou em diversos países no momento mesmo em que suas sociedades passavam por situações políticas complexas – revoluções e guerras de independência; conflitos étnicos; golpes de Estado...
A leitura nos leva a conhecer a experiência vivida pelo jornalista compromissado e devotado às reportagens... Ele era do tipo que corria atrás do fato... Não media esforços e não se importava com as inúmeras dificuldades (climáticas, de transporte, intolerância, ameaças de morte...) para estar “in loco“. Naquele tempo ele era jovem “carregado de energia” e, de fato, se expôs a várias situações temerárias.
Isso explica também por que esteve tão perto das mobilizações sociais e de lideranças que fizeram História. As oportunidades que teve o inspiraram a escrever vários livros... Temos a impressão de que especificamente este A Guerra do Futebol parece ser resultado de relatos que mesclam a reportagem documental e registros de ordem pessoal que revelam as impressões e divergências do autor em relação ao “burocratismo” do pessoal da PAP e da imprensa em geral...
Várias páginas revelam que Kapuscinski tinha o plano de escrever um livro que se iniciaria a partir de uma das situações narradas (são tantas!) em A Guerra do Futebol... Vemos que a dinâmica dos acontecimentos, e também sua necessidade de participar dos palcos onde eles se davam, impossibilitava tal intento.
Mas não seria A Guerra do Futebol o “livro jamais escrito” citado em suas páginas?
(...)
As páginas deste livro nos levam a conhecer conturbadas realidades de transição vivenciadas por sociedades africanas ao tempo em que o continente era sacudido pelos conflitos emancipacionistas... Aqueles mesmos que marcaram o encerramento do longo período do Neocolonialismo e o início das disputas ideológicas (e tribais) locais.
Sua agência pretendia que ele organizasse um escritório permanente no continente africano... Manteve correspondência com personagens importantes, e também com a gente do povo... Conheceu expectativas, táticas políticas, êxitos e fracassos de lideranças. Também ele manifestou o seu pensamento a respeito das feridas que os países imperialistas deixaram naquelas terras e povos...
(...)
Gana, Nigéria, Argélia, Congo, Etiópia... Grécia e Chipre... Chile, Bolívia, El Salvador, Honduras... Ambientes distintos e muitas semelhanças.
O livro merece atenção em sua totalidade, mas por aqui trataremos de algumas partes...
(...)
Apenas para garantir um registro inicial...
O texto que abre as narrativas é Hotel Metropol, pouco mais que uma “balsa” dotada de oito quartos... Kapuscinski descreve a instalação como uma “aberração arquitetônica” sujeita a inundações e apodrecimento nos tempos chuvosos, e ao ressecamento nas épocas de seca.
O precário hotel se localiza no bairro pobre chamado Kokompe... Cantonments é o planejado bairro onde vive a burguesia europeia desde os tempos de ocupação britânica.
Os estrangeiros que vivem no local ou que eventualmente se hospedam na espelunca de Kokompe carregam traços físicos e psicológicos dos que se aventuraram em terras quentes africanas... Há libaneses entre eles... São tipos que em dado momento de suas vidas ousaram concentrar esforços na busca de enriquecimento em ambientes tidos por exóticos. O imperialismo possibilitou tais aventuras.
Afinal, que país é esse?
Os dois bairros citados se localizam em Acra, capital de Gana. Os tempos são os imediatamente após a conquista de sua emancipação política (1957) e da atuação de Kawame Nkrumah, líder pan-africanista e libertador de Gana...
Vemos Kapuscinski se relacionando com as pessoas do hotel, conhecendo suas histórias, revelando a conexão entre seus dramas pessoais e os do continente... Ele está ali para repercutir o governo de Nkrumah, e é por isso que participa ativamente dos eventos políticos, evidenciando os sentimentos das pessoas comuns em relação ao seu líder e aos ataques que ele vinha sofrendo da imprensa representativa dos interesses das principais nações capitalistas.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas