domingo, 8 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – um dia no hotel Metropol – Parte II; Habib Zacca, duas décadas em Gana, fortuna e decadência ao tempo da emancipação política do país; “Premier”, o aventureiro capitalista de “meia-tigela” que garantia ter acesso fácil a Sékou Touré

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_8.html antes de ler esta postagem:

Habib Zacca, o Papa, já fora milionário.
Ficamos sabemos que ele era o proprietário do “hotel balsa”. Kapuscinski diz que muitos se referiam a ele como um tipo que possuíra “palacete, automóveis, lojas e jardins”... Pelo visto, a emancipação política de Gana não fizera bem aos seus negócios, tanto é que ele mesmo dizia que a “grande débâcle” ocorrera logo depois de ele ter arrendado o Metropol “um ano antes”... Sua “derrocada fora arrasadora”.
A Kapuscinski, Papa confirmou que vivera de modo abastado... Tinha de tudo, do bom e do melhor, e por isso era rodeado de amigos... As pessoas o visitavam diariamente, e ele nunca lhes recusou comida e bebida. Lamentando-se, dizia que os tempos haviam mudado e que muitos fingiam não conhecê-lo.
Ao que tudo indica, com a independência de Gana, Habib Zacca tinha de se apresentar “àqueles glutões” que comeram às suas custas.
Já fazia uns vinte anos que ele estava no país... No início montou uma “lojinha de tecidos” e aos poucos foi acumulando fortuna... O problema é que em pouco tempo ela se desfez conforme ele se viciava nas corridas de cavalos e perdia grandes somas de dinheiro...
Papa dizia ao Red (apelido de Ryszard Kapuscinski naquele meio) que os cavalos o haviam devorado... O próprio autor chegou a conhecer as estrebarias que Papa possuía num bosque fora da cidade... O tipo dispensava aos animais um carinho que jamais dedicava à própria esposa, e gabava-se de possuir “o melhor cavalo da África”... Boa parte de seus animais sofreu terrível infecção nas patas. Muitos deles morreram e, sem dúvida, isso foi um grande baque.
(...)
A esposa de Papa tinha apenas vinte e oito anos, mas a sua aparência era envelhecida. O casal tivera quatro filhos... Dois deles viviam no Líbano. Em Acra mantinham uma menina com sérios problemas mentais... A garota rastejava-se no chão, pronunciava sons estranhos e era apegada a uma vitrola na qual exigia que tocassem um disco de Dalida (cantora de ascendência italiana nascida no Egito) enquanto gritava tresloucadamente.
Entre os hóspedes do Metropol, apenas um tipo gorducho, certo Premier tinha paciência com a pequena filha retardada de Papa... Ele sorria para ela e acariciava os seus cabelos... Ela o agarrava pelas pernas.
Esse Premier era assim chamado por causa de sua conversa que dava a entender que era tipo próximo dos altos funcionários da Guiné, onde possuía um “pequeno negócio”... Garantia que podia escrever ao amigo Sékou Touré (líder do processo de independência e o presidente de então daquele país). E, se era assim, garantia, por que recorrer a ministros? Se alguém precisasse de sua intermediação, podia contar com ele.
Kapuscinski passou um tempo de muita proximidade com Premier... Os dois saíam para bebericar cervejas e conversar... O tipo era “um capitalista de meia-tigela”, que queria “diversificar os seus negócios”... Kapuscinski dava palpites a respeito de onde ele podia se arriscar... Birmânia, Japão, Paquistão... O que ele fazia em Gana? Percorria o país para encontrar “uma brecha no mercado”... Lamentava que o “maldito capitalismo” favorecesse a instalação de “monopólios por toda parte”.
Premier andava tão paranoico com a ideia de descobrir o ambiente perfeito para empreender negócio que até havia comprado um globo terrestre... Ele girava o instrumento, o parava com o dedo e perguntava ao Red se o local lhe favoreceria ou não... Índia? Filipinas? Quando não era o monopólio, era o excesso de americanos...
Kapuscinski provocou o amigo a respeito de mulheres... Será que ele não faria melhor se arranjasse uma companheira? Premier respondia que sentia atração por mulheres, e que preferia as de Dacar...
(...)
Nadir Khouri, jovem libanês, filho do Grande Khouri, era outro que tinha de suportar os desabafos de Premier.
Mais sobre este outro personagem, que tem muito a ver com a instalação de Kapuscinski no Metropol, na próxima postagem.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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