sábado, 21 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – soldados perversos no caminho a Stanleyville; nem mesmo Kapuscinski pode explicar o que os impulsionava a prosseguir pelas florestas do Congo; belgas e seu contato junto às remotas tribos do país; o rei Mani e seu sectarismo tribal; Lumumba e sua mensagem de paz e união

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_20.html antes de ler esta postagem:

Estamos neste ponto em que Kapuscinski, Jarda e Prowaznik se dirigiam para Stanleyville num velho e grande Ford... O sargento Serafin os acompanhava desde Aba.
A estrada de terra não facilitava a missão... Muitos trechos alagados atolavam o carro, e isso atrasava a viagem... A misteriosa floresta fechada era a única paisagem a ser percorrida.
(...)
Tiveram de passar por vários postos de vigilância e controle... Muitas patrulhas estavam visivelmente “largadas” e sem comando... Era notório que alguns gendarmes passavam o dia se embriagando... A fome também reinava entre eles.
Kapuscinski não deixa de manifestar a sua indignação... Aqueles tipos uniformizados pertenciam ao exército rebelde, que havia assumido o controle do país, estavam cometendo saques e estupros.
Os três jornalistas ficavam apavorados sempre que chegavam a um dos postos... Eles decidiram que nessas situações Serafin tinha de sair do carro para lidar com os soldados...
Aconteciam situações em que o sargento era abraçado pela guarda... Mas também houve ocasiões em que ele era recebido com agressões verbais, bofetadas e coronhadas...
Não havia como garantir que chegariam ao seu destino... O próprio Kapuscinski comenta que ao passar por aquelas experiências não sabia o que ao certo os impulsionava para adiante (“estupidez e falta de imaginação, ou paixão, ambição, leviandade? Uma obrigação autoimposta, esquisitice ou algum sentimento de honra?”)...
Mas eles sabiam que, quanto mais avançavam pela estrada, mais dificuldades teriam para retornar.
O fato é que depois de dois dias de cansativa viagem chegaram a Stanleyville.
(...)
Os registros do jornalista polonês foram feitos no “calor da hora”... Evidentemente ele não conhecia os documentos que apenas recentemente foram revelados ao mundo... Eles dizem respeito às manobras de grandes potências imperialistas interessadas no fracasso do povo africano, especialmente no que concerne às possibilidades de sua aproximação em relação à antiga URSS.
Eventualmente podemos achar que, para Kapuscinski, os conturbados episódios dos tempos das lutas de independência se relacionassem muito mais ao despreparo dos povos e aos equívocos das lideranças (suas paixões e antagonismos exacerbados).
(...)
Depois de narrar a respeito da complicada viagem até Stanleyville, Kapuscinski apresenta registros sobre Patrice Lumumba...
Mas ele não faz isso a partir de dados biográficos sequenciais que podem sugerir um quadro completo da existência desse significativo personagem da história africana.
O livro apresenta-nos Lumumba a partir de depoimentos coletados junto a pessoas simples, que ouviram suas propostas para a construção de um novo Congo. Não há como notar que ele comungava dos ideais do pan-africanismo.
É preciso algum esforço para que sejamos transportados a longínquos povoados localizados no meio de densas florestas.
(...)
Vemos Lumumba percorrendo os povoados tribais...
Aquelas pessoas simples estavam acostumadas a receber forasteiros...
Os belgas sempre apareciam comunicando a respeito de impostos que deviam ser pagos e do necessário recrutamento de mão-de-obra para o trabalho em obras públicas.
Pelo menos na localidade habitada pelos bangis evidenciada por Kapuscinski, além dos brancos, algumas vezes o rei tribal Mani aparecia com suas muitas pulseiras e colares... Era certo que ele não exercia poder, mas vivia insistindo que os bangis um dia se vingariam dos angras, tribo que os havia expulsado das margens do Rio Aruwimi, de onde tiravam o seu sustento.
Lumumba não podia ser comparado a esses citados anteriormente... Ele chegava à localidade com um pequeno grupo, que conseguia “preparar o terreno”... As pessoas sempre acabavam reunidas na praça para ouvi-lo...
Ele dizia que as tribos não estavam sós... E que elas não deviam exigir exclusividade no Congo... Lumumba falava de uma “Nation Congolaise”, e isso significava que todos deveriam considerar os demais como irmãos.
Ao final de suas considerações, ele sempre queria saber se alguém tinha algo a perguntar...
As pessoas não eram afeitas àquela proposta, sobretudo porque se acostumaram a ver os que ousavam falar (aos forasteiros) sofrendo admoestações e represálias físicas.
Mas Lumumba tinha tanto a dizer que mal se apresentava... Não é improvável que perguntassem o seu nome nos momentos em que se despedia da comunidade visitada.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas