De acordo com a Time, o Evening News vinha anunciando que o povo de Gana escolheria se o país se desvincularia definitivamente da Inglaterra, não mais reconhecendo Elisabeth II como rainha; o país estava em vias de se tornar uma “República Plena”... Também estava nas mãos do povo decidir se Nkrumah seria seu presidente...
As críticas ao Evening News eram abertas... ATime entendia que aquele periódico só podia ser nocivo à Democracia, já que inculcava à população que só Nkrumah concentrava determinados atributos:
“Osagyefo (Grande Homem – de acordo com a tradução utilizada; “redentor”, na língua twi), Katamanto (Homem de palavra irrevocável), Oyeadieyie (Homem dos feitos), Kukuduruni (Homem de coragem), Nufenu (O mais forte de todos), Osuodumgia (Extintor das chamas), Kasapreka (Homem de Palavra Definitiva)”.
Ou seja, qualquer um era levado a entender que só mesmo Nkrumah podia ser celebrado como “Libertador e Fundador de Gana”.
(...)
Welbeck falou sobre isso à multidão reunida na West End. Disse que toda aquela ironia contra o líder do povo era
inútil... Afinal o que aqueles jornalistas tinham a ver com os sentimentos
nacionais dos ganenses e sua identificação com Nkrumah?
(...)
Kapuscinski procurou posicionar-se melhor para ouvir o
pronunciamento do ministro... As pessoas mal tinham como se movimentar, elas
preferiam mesmo permanecer firmes em suas posições e atentas às palavras. Era
certo que tinham um papel que deviam desempenhar ali mesmo.
Welbeck anunciara que Nkrumah era uma espécie de messias de Gana... E
que sua importância política só podia ser comparada à de Lincoln para os
Estados Unidos, e Lênin para a Rússia... O “amigo do povo sofrido” devia ter a
consideração de todos os ganenses... Sua biografia, marcada pela “dor,
dedicação e autossacrifício” demonstrava o seu “valor inestimável na coroa do
nacionalismo mundial”.
(...)
O discurso inflamado repercutiu favoravelmente... Todos se entusiasmaram
e concluíram que os norte-americanos da Time
não tinham nada de estar ali... Esse sentimento tomou conta dos que
participavam.
Kapuscinski notou que as pessoas começaram a se afastar dele e muitos o
olhavam com desconfiança e até nervosamente.
Só então ele refletiu sobre o fato de ser o único branco no meio do
comício... É claro que todos deviam perceber que ele era jornalista ou algo
parecido, pois viam que ele fazia anotações num bloco.
O polonês tirou outras
conclusões: entendeu que estavam achando que ele fosse norte-americano por
estar trajando uma camisa estampada... Algo que os ingleses locais jamais
faziam.
(...)
Enquanto refletia a
respeito do que faria para escapar da multidão, Kapuscinski notou que gritavam
palavras de ordem... Os ativistas tinham aberto caminho até a grande
fogueira... O próprio Walbeck bradava que deviam queimar os exemplares da
revista que representava o imperialismo norte-americano...
Tantas revistas foram
lançadas à fogueira que não havia como queimá-las de modo satisfatório... Elas
apenas “fumegavam”...
A agitação tornou-se tão temerária que o ministro Walbeck implorou para
que todos tomassem muito cuidado durante a agitação... Aos poucos o fogo avivou
e ardeu violentamente...
Uma banda de percussão e metais
começou a tocar e a animação tornou-se geral... A criançada pôs-se a dançar ao
redor da grande fogueira.
(...)
Walbeck havia feito sua parte...
Retirou-se do evento e entrou numa limusine. O veículo seguiu para a
Flag Staff House, onde ele se encontraria com Nkrumah.
Kapuscinski calculou que Nkrumah seria informado
a respeito da veneração que o povo lhe devotava e ficaria satisfeito com os
resultados do evento promovido pelo CPP (Convention People’s Party).
Leia: A
Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto