quinta-feira, 12 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – Gana às vésperas de sua emancipação; títulos atribuídos a Kwame Nkrumah; revistas lançadas à fogueira; comício encerrado, uma limusine conduz o ministro Walbeck até a Flag Staff House

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_12.html antes de ler esta postagem:

De acordo com a Time, o Evening News vinha anunciando que o povo de Gana escolheria se o país se desvincularia definitivamente da Inglaterra, não mais reconhecendo Elisabeth II como rainha; o país estava em vias de se tornar uma “República Plena”... Também estava nas mãos do povo decidir se Nkrumah seria seu presidente...
As críticas ao Evening News eram abertas... ATime entendia que aquele periódico só podia ser nocivo à Democracia, já que inculcava à população que só Nkrumah concentrava determinados atributos:

                                                      “Osagyefo (Grande Homem – de acordo com a tradução utilizada; “redentor”, na língua twi), Katamanto (Homem de palavra irrevocável), Oyeadieyie (Homem dos feitos), Kukuduruni (Homem de coragem), Nufenu (O mais forte de todos), Osuodumgia (Extintor das chamas), Kasapreka (Homem de Palavra Definitiva)”.

Ou seja, qualquer um era levado a entender que só mesmo Nkrumah podia ser celebrado como “Libertador e Fundador de Gana”.
(...)
Welbeck falou sobre isso à multidão reunida na West End. Disse que toda aquela ironia contra o líder do povo era inútil... Afinal o que aqueles jornalistas tinham a ver com os sentimentos nacionais dos ganenses e sua identificação com Nkrumah?
(...)
Kapuscinski procurou posicionar-se melhor para ouvir o pronunciamento do ministro... As pessoas mal tinham como se movimentar, elas preferiam mesmo permanecer firmes em suas posições e atentas às palavras. Era certo que tinham um papel que deviam desempenhar ali mesmo.
Welbeck anunciara que Nkrumah era uma espécie de messias de Gana... E que sua importância política só podia ser comparada à de Lincoln para os Estados Unidos, e Lênin para a Rússia... O “amigo do povo sofrido” devia ter a consideração de todos os ganenses... Sua biografia, marcada pela “dor, dedicação e autossacrifício” demonstrava o seu “valor inestimável na coroa do nacionalismo mundial”.
(...)
O discurso inflamado repercutiu favoravelmente... Todos se entusiasmaram e concluíram que os norte-americanos da Time não tinham nada de estar ali... Esse sentimento tomou conta dos que participavam.
Kapuscinski notou que as pessoas começaram a se afastar dele e muitos o olhavam com desconfiança e até nervosamente.
Só então ele refletiu sobre o fato de ser o único branco no meio do comício... É claro que todos deviam perceber que ele era jornalista ou algo parecido, pois viam que ele fazia anotações num bloco.
O polonês tirou outras conclusões: entendeu que estavam achando que ele fosse norte-americano por estar trajando uma camisa estampada... Algo que os ingleses locais jamais faziam.
(...)
Enquanto refletia a respeito do que faria para escapar da multidão, Kapuscinski notou que gritavam palavras de ordem... Os ativistas tinham aberto caminho até a grande fogueira... O próprio Walbeck bradava que deviam queimar os exemplares da revista que representava o imperialismo norte-americano...
Tantas revistas foram lançadas à fogueira que não havia como queimá-las de modo satisfatório... Elas apenas “fumegavam”...
A agitação tornou-se tão temerária que o ministro Walbeck implorou para que todos tomassem muito cuidado durante a agitação... Aos poucos o fogo avivou e ardeu violentamente...
Uma banda de percussão e metais começou a tocar e a animação tornou-se geral... A criançada pôs-se a dançar ao redor da grande fogueira.
(...)
Walbeck havia feito sua parte...
Retirou-se do evento e entrou numa limusine. O veículo seguiu para a Flag Staff House, onde ele se encontraria com Nkrumah.
Kapuscinski calculou que Nkrumah seria informado a respeito da veneração que o povo lhe devotava e ficaria satisfeito com os resultados do evento promovido pelo CPP (Convention People’s Party).
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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