sexta-feira, 27 de novembro de 2015

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – mais a respeito das impressões de Kapuscinski sobre os bares africanos; a respeito do que se discutia nos bares; sobre os primeiros discursos e didática de Lumumba em bares do Congo; compreendendo um pouco das limitações dos compatriotas sufocados por imposições culturais

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2015/11/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_60.html antes de ler esta postagem:

Kapuscinski escreveu muito mais sobre os bares que conheceu na África...
Contou que o “Alex” era o seu ambiente preferido... Citou ainda outros nomes mais curiosos de estabelecimentos: “Por que não?”; “Vai se Perder”; “Só Você”; “Independência”; “Liberdade”; “Luta”...
O bar era como um “organismo vivo” em movimento... Principalmente quando tocavam os velhos discos de jazz... Todos conversavam porque havia assunto para tudo quanto era gosto, desde os temas bíblicos às questões políticas ou tramas passionais.
O bar era também lugar de muita boataria... E era nesse misto de “clube, loja de penhores, átrio de igreja, teatro, escola, bordel e comitê partidário” que uns definiam suas opiniões a respeito dos outros.
(...)
É claro que Lumumba também apreciava uma boa cerveja...
Ele entendeu que não podia desprezar os frequentadores de bares na discussão de seus propósitos políticos...
Bem no começo, quando não o conheciam, ele se intrometia a falar sobre coisas corriqueiras... Jamais tomava o partido de uma ou outra tribo, e dessa forma não criava confusão com quem quer que fosse bangal ou bekong.
Falava sobre o Congo durante horas... Não se fazia repetitivo e mantinha-se entusiasmado o tempo todo. O fato é que sua presença começou a mudar as atmosferas agitadas dos bares... As pessoas se calavam, paravam para ouvi-lo e refletir sobre suas palavras.
Os “ensinamentos” de Lumumba eram simples... Mas é claro que, antes deles, as pessoas comuns que frequentavam os ambientes festivos dos bares não pensavam muito sobre o Congo, sua imensidão, beleza e recursos naturais...
Lumumba dizia que tudo seria ainda melhor se houvesse união... Os belgas conseguiram impor o seu domínio graças às desavenças tribais... Ele sentenciava que a fraternidade seria uma poderosa arma contra os imperialistas.
Aos que o ouviam perguntava didaticamente: “o que é preciso mostrar aos belgas?”. Depois provocava questionando sobre o que uma tribo ganhava ao depositar cobras venenosas nas choupanas da outra... As pessoas eram realmente livres? Afinal, que vida era aquela totalmente desprovida do básico necessário à existência?
(...)
Lumumba conhecia as limitações e o modo de pensar da gente da cidade... Também ele havia nascido num vilarejo (Katakokombe) e se transferira para a cidade com a expectativa de alcançar alguma estabilidade... Ele compreendia as frustrações daquelas pessoas...
Talvez Lumumba se perguntasse: Os congoleses eram os culpados de os imperialistas exercerem domínio com suas armas poderosas e de impor-lhes seu modelo de sociedade?
Ele respeitava a confusão que afetava a cabeça de seus compatriotas...
“Geladeiras e flechas envenenadas”; “pavor que sentiam dos feiticeiros e admiração pelo Sputinik”...
Se tudo isso era muito confuso para aquele povo simples, o que dizer do claro antagonismo entre os discursos oficiais imperialistas e os dos movimentos de libertação?*

                                                           * Kapuscinski cita De Gaulle e Ferhat Abbas (líder popular da Argélia que organizou a AML – Amigos do Manifesto e da Liberdade, frente política nacionalista para a libertação da Argélia na década de 1940).

(...)
O autor explica que não foi por acaso que o governo belga enviou tropas intervencionistas (logo após o assassinato de Lumumba) com uniformes de paraquedistas... Os belgas sabiam muito bem que as populações locais se sentiam apavoradas e intimidadas perante militares vistos como “criaturas especiais” e poderosas que “caíam do céu”.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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