quinta-feira, 6 de agosto de 2020

“Deus lhe pague”, peça de Joracy Camargo – das ideias revolucionárias do mendigo sobre as injustiças sociais e suas origens na propriedade; a respeito da ilusão alimentada com a oferta de esmolas

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/08/deus-lhe-pague-peca-de-joracy-camargo.html antes de ler esta postagem:

As palavras do mendigo sobre o tempo em que a terra e a água não eram propriedades foram reproduzidas em “Dios se lo pague”... Elas sintetizam o seu modo de pensar. O outro jamais ouvira algo parecido e sem ter o que responder diz que ele é que não havia cedido o direito de posse da terra ou da água a alguém.
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O mendigo exclama que ninguém fez qualquer concessão, mas os primeiros espertalhões se apropriaram dos bens que deviam ser de todos e “inventaram a Justiça e a Polícia”. Fizeram isso para processar os que ousassem tomar-lhes! Disse essas coisas e emendou que os que se arrogam proprietários só podem explicar com a argumentação de que adquiriram suas terras através da compra.
A conversa com o outro levou-o a argumentar que um proprietário vende seu bem a outro, e que esse processo de compra e venda parece não ter fim, mas se questionarmos sobre como o primeiro se tornou dono de algo constataremos que ele simplesmente tomou posse “sem ter direito algum” de fazer isso. E como no princípio “não havia leis”, alguns dividiram “tudo entre si” e logo fizeram os Códigos para incriminar os que a partir de então ousassem repetir o que eles fizeram.
O outro concluía que a sociedade, através da polícia e das classes armadas, garante a posse. O mendigo seguiu dizendo que os que se arvoravam nesses poderes instituídos também “não são donos de nada, mas foram convencidos de que devem fazer respeitar uma divisão na qual não foram aquinhoados”.
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Como se vê, as críticas do velho mendigo são duríssimas contra instituições que asseguram a ordem na sociedade... Vê-se que ele quer dar a entender que elas só existem para garantir a posse das propriedades dos poderosos e ricos.
Para o outro seria o caso de saber se aquele mendigo estava disposto a “reformar o mundo”... Ele respondeu mesmo que havia pensado nisso, mas acabou compreendendo que a humanidade não carece de seu sacrifício. O fato é que a quantidade de desafortunados cresce a cada dia... Seria o caso de envidar esforços para mudar a situação, mas ele simplesmente resolveu abandonar a sociedade e pedir-lhe o que considerava ser seu direito.
O homem prosseguiu em sua falação ressaltando que pedir é um direito universalmente reconhecido... Ninguém é contra o mendigo! Salientou que as pessoas até sentem prazer ao serem interpeladas por um que suplica por uma moeda... garantiu que no final das contas o mendigo é socialmente aceito porque se trata de alguém que “desistiu de lutar contra os outros”.
O companheiro que a tudo ouvia sentenciou que “os homens não precisam de nós”. O mendigo redarguiu dizendo que precisam sim... Na sequência perguntou o nome do outro, que respondeu “Barata”.
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O raciocínio do mendigo era simples... As pessoas “precisam dos pedintes”, mas obviamente não dependem deles... Tratam os maltrapilhos com ternura e têm um interesse religioso nisso, pois até dizem que “dando aos pobres, emprestam a Deus”. Na esmola, portanto, há muito interesse... Os pecadores querem ter suas faltas aliviadas, enquanto os que sofrem querem ser agraciados por Deus... Ofertam míseras moedas e assim “adiam a revolta dos miseráveis”.
O outro (Barata) interveio dizendo que as pessoas agradecem a Deus e assim demonstram sua gratidão... O mendigo resmungou e disse que não há gratidão... O que acontece é que as pessoas têm medo de deixar de ser felizes. Acrescentou que se a felicidade fosse permanente, Deus deixaria de existir para elas... Dão esmola como que a comprar a felicidade. No caso, os mendigos são os “vendedores” daquele bem.
O outro concluiu que a felicidade, então, é muito barata... O mendigo que dizia as coisas polêmicas garantiu que a felicidade é muito cara, e cravou que “barata é a ilusão”. Os que ofertam níqueis se iludem com o agradecimento dos pedintes... O “Deus lhe pague” os levam a pensar que terão sorte em alguma loteria no dia seguinte, ou ainda imaginam que as horas perdidas nos cabarés com “vícios e corrupções” lhes serão perdoadas pela esmola ofertada. Eles não sabem que o que redime é o sacrifício... Esmola é sobra, é resto!
Leia: “Deus lhe pague”. Ediouro.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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