segunda-feira, 3 de agosto de 2020

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – Talleyrand e a defesa da continuidade dos direitos dos judeus do sul da França; deputados da Alsácia-Lorena refletem a respeito da condição dos judeus do leste do país; asquenazes e sefarditas; resultado da primeira votação favorável à manutenção dos direitos concedidos pelo monarca à comunidade sulista; a extensão dos direitos em setembro de 1791, reconhecimento dos judeus como indivíduos e cidadãos franceses; a teoria ainda prevalecia “letra morta” em relação à condição das mulheres

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/08/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma.html antes de ler esta postagem:

Vimos que boa parte do conteúdo das queixas com referências à comunidade judaica apresentadas aos representantes que fariam parte dos Estados Gerais continha posições contrárias aos judeus... De certo modo isso explica os motivos de os deputados não estenderem os direitos políticos a eles por ocasião das votações da véspera do Natal de 1789. Mas aconteceu que nos vinte meses seguintes a discussão acabou tornando-se favorável às comunidades judaicas.
Apenas um mês depois, judeus oriundos da Península Ibérica que viviam no sul da França levaram uma petição à Assembleia. Como salientamos anteriormente, eles argumentaram que, assim como os protestantes, já vinham participando de eventos políticos em cidades como Bordeaux... No Comitê sobre a Constituição encontraram o apoio de Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, bispo católico alinhado aos liberais que discursou endossando as afirmações das referidas comunidades.
Talleyrand insistia que os judeus não pediam novos direitos, mas apenas que pretendiam “continuar a gozar os direitos” que já exerciam. De acordo com o seu entendimento a Assembleia poderia aprovar a manutenção dos direitos dessa parcela “sem mudar o status dos judeus em geral”.
Os deputados da Alsácia-Lorena, onde se concentrava a maioria dos judeus no país, sensibilizaram-se a partir dos juízos de Talleyrand... Eles sabiam que as comunidades de sua região concentravam asquenazes (judeus oriundos basicamente da Europa Central), certamente mais facilmente identificados como pertencentes à comunidade, já que os homens costumavam usar longas barbas. Bem diferente dos judeus sefarditas de Bordeaux (normalmente escanhoados).
Como admitir que os asquenazes da Alsácia-Lorena continuassem a cumprir um regulamento que os obrigava a viverem do empréstimo e da mascataria enquanto os de Bordeaux passariam a ter direitos de cidadania garantidos por lei? Eles bem sabiam que as relações dos judeus credores e mascates com os camponeses eram sempre muito tensas e que, portanto, viviam necessitados de garantias legais.
Os deputados do leste francês argumentaram que a orientação sugerida por Talleyrand, garantir a exceção aos sefarditas de Bordeaux, certamente resultaria na extensão das prerrogativas aos demais judeus que viviam no país. Os debates seguiram intensos e, apesar das apelações dos representantes da Alsácia-Lorena, a votação resultou nem 374 a 224 a favor de que:

                   “todos os judeus conhecidos como judeus portugueses, espanhóis e de Avignon continuarão a exercer os direitos que têm exercido até o presente” e “exercerão os direitos dos cidadãos ativos, desde que satisfaçam os requisitos estabelecidos pelos decretos da Assembleia Nacional (relativos à cidadania ativa)”.

Apesar disso, os direitos cedidos à parcela dos judeus motivaram ainda mais a discussão a favor de sua extensão aos demais... De fato, isso foi sacramentado pela Assembleia no dia 27 de setembro de 1791. Exigiu-se que os recém-admitidos no quadro de cidadãos jurassem uma declaração cívica renunciando as concessões obtidas junto à monarquia.
Prevaleceu a ideia de Clermont-Tonnerre segundo a qual a Assembleia devia “recusar tudo aos judeus como uma nação e conceder tudo aos judeus como indivíduos”. E foi assim que, ao renunciarem as cortes específicas de leis e de justiça, os judeus passaram a ser vistos como “cidadãos franceses como todos os outros”.
(...)
Mais uma vez Lynn Hunt salienta que os princípios mais gerais contidos na Declaração de agosto de 1789 foram decisivos no tocante à observação de que “no universo dos judeus que viviam no país” havia alguns que já praticavam certos direitos. Obviamente uma e outra parte não podia receber tratamento diferenciado dos legisladores...
Mais uma vez destaca-se que, no tocante à questão das mulheres, a “teoria” permanecia “letra morta”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas