Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/08/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma.html antes
de ler esta postagem:
Vimos
que boa parte do conteúdo das queixas com referências à comunidade judaica
apresentadas aos representantes que fariam parte dos Estados Gerais continha
posições contrárias aos judeus... De certo modo isso explica os motivos de os
deputados não estenderem os direitos políticos a eles por ocasião das votações
da véspera do Natal de 1789. Mas aconteceu que nos vinte meses seguintes a
discussão acabou tornando-se favorável às comunidades judaicas.
Apenas um mês depois, judeus oriundos da Península Ibérica que viviam no
sul da França levaram uma petição à Assembleia. Como salientamos anteriormente,
eles argumentaram que, assim como os protestantes, já vinham participando de
eventos políticos em cidades como Bordeaux... No Comitê sobre a Constituição encontraram
o apoio de Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord, bispo católico alinhado aos
liberais que discursou endossando as afirmações das referidas comunidades.
Talleyrand insistia que os
judeus não pediam novos direitos, mas apenas que pretendiam “continuar a gozar
os direitos” que já exerciam. De acordo com o seu entendimento a Assembleia poderia
aprovar a manutenção dos direitos dessa parcela “sem mudar o status dos judeus
em geral”.
Os deputados da Alsácia-Lorena, onde se concentrava a
maioria dos judeus no país, sensibilizaram-se a partir dos juízos de
Talleyrand... Eles sabiam que as comunidades de sua região concentravam
asquenazes (judeus oriundos basicamente da Europa Central), certamente mais
facilmente identificados como pertencentes à comunidade, já que os homens
costumavam usar longas barbas. Bem diferente dos judeus sefarditas de Bordeaux
(normalmente escanhoados).
Como admitir que os asquenazes da Alsácia-Lorena continuassem a cumprir
um regulamento que os obrigava a viverem do empréstimo e da mascataria enquanto
os de Bordeaux passariam a ter direitos de cidadania garantidos por lei? Eles
bem sabiam que as relações dos judeus credores e mascates com os camponeses
eram sempre muito tensas e que, portanto, viviam necessitados de garantias
legais.
Os deputados do leste francês argumentaram que a
orientação sugerida por Talleyrand, garantir a exceção aos sefarditas de Bordeaux,
certamente resultaria na extensão das prerrogativas aos demais judeus que
viviam no país. Os debates seguiram intensos e, apesar das apelações dos
representantes da Alsácia-Lorena, a votação resultou nem 374 a 224 a favor de
que:
“todos os judeus
conhecidos como judeus portugueses, espanhóis e de Avignon continuarão a
exercer os direitos que têm exercido até o presente” e “exercerão os direitos
dos cidadãos ativos, desde que satisfaçam os requisitos estabelecidos pelos
decretos da Assembleia Nacional (relativos à cidadania ativa)”.
Apesar disso, os direitos cedidos à parcela dos judeus motivaram ainda
mais a discussão a favor de sua extensão aos demais... De fato, isso foi
sacramentado pela Assembleia no dia 27 de setembro de 1791. Exigiu-se que os
recém-admitidos no quadro de cidadãos jurassem uma declaração cívica
renunciando as concessões obtidas junto à monarquia.
Prevaleceu a ideia de
Clermont-Tonnerre segundo a qual a Assembleia devia “recusar tudo aos judeus
como uma nação e conceder tudo aos judeus como indivíduos”. E foi assim que, ao
renunciarem as cortes específicas de leis e de justiça, os judeus passaram a
ser vistos como “cidadãos franceses como todos os outros”.
(...)
Mais uma vez Lynn Hunt
salienta que os princípios mais gerais contidos na Declaração de agosto de 1789
foram decisivos no tocante à observação de que “no universo dos judeus que
viviam no país” havia alguns que já praticavam certos direitos. Obviamente uma
e outra parte não podia receber tratamento diferenciado dos legisladores...
Mais uma vez destaca-se que, no tocante à
questão das mulheres, a “teoria” permanecia “letra morta”.
Continua em
https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2020/08/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_5.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto