Thomas Jefferson redigiu notas entre 1771 e 1772. Algumas delas faziam referências ao divórcio. Lynn Hunt se detém mais especificamente sobre um determinado caso e esclarece que suas reflexões relacionavam o divórcio à questão dos direitos naturais. Para ele, a possibilidade de se divorciar devolvia “às mulheres o seu direito natural de igualdade”.
O raciocínio era simples... Os casamentos que resultavam de consentimento mútuo podiam perfeitamente ser desfeitos no caso de uma das partes “quebrar o acordo”. E mais: levando-se em consideração a legitimidade do divórcio, assegurava-se a “liberdade de afeição” como direito natural. Tanto a solidez da união como o apelo ao divórcio faziam sentido na medida em que as duas situações se relacionavam à “busca da felicidade” que, como sabemos, tem destaque na “Declaração de Independência”...
Jefferson argumentava que “a finalidade do casamento é a reprodução e a busca da felicidade”... Esse direito de buscarmos a felicidade inclui necessariamente o direito ao divórcio... Certamente não foi por acaso que em 1776 ele fez referências a “um divórcio entre as colônias americanas e a Grã-Bretanha”.
(...)
A ideia de que as pessoas possuem
direitos e de que todos devem ter sua autonomia respeitada certamente provocou
expectativas em torno de uma nova sociedade... A partir daí surgia a questão
elementar sobre o tipo de indivíduo que dela participaria. Uma coisa era a
moralidade imposta pelas autoridades religiosas e pela Escritura, outra bem
diferente seria aquela “derivada da razão humana”...
Esperava-se que os
indivíduos que exercitassem sua autonomia se orientassem a partir do “bem comum”...
Não faltaria quem insistisse no princípio de que a ordem estabelecida pela
“obediência cega” tem sempre a vantagem de ser menos imprevisível.
De acordo com Lynn Hunt,
filósofos escoceses refletiram sobre a comunidade dos civis (os seculares) e
trataram da temática exposta no parágrafo anterior, objeto central de sua
obra... A “resposta filosófica” que apresentavam repercutia a “empatia ensinada
pelo romance”.
A autora explica que o
termo “empatia” data do século passado e que os filósofos faziam referência a
“Simpatia”, que talvez não seja o mais adequado para expressar o sentimento de
igualdade, já que comumente é entendida como “piedade” e “condescendência”.
Durante o século XVIII,
“Simpatia” era termo de significados mais amplos. Para o teólogo e professor
Francis Hutcheson, tratava-se de uma “faculdade moral” abaixo apenas da
consciência. A simpatia seria o que torna a vida em sociedade possível, pois
ela pode ser entendida também como o “sentimento da solidariedade”. Esse
sentimento possibilitaria às pessoas o exercício de subtraírem-se de seus
anteriores. Isso as levaria a reconhecerem que apenas a “autossatisfação” não
poderia levá-las à felicidade ou realização plena.
Ao partilharmos com os nossos semelhantes os nossos prazeres, conquistas
e satisfações, sentimos que eles se tornam ainda mais intensos para nós... O
próprio Hutcheson dizia que a simpatia contagia (é uma espécie de “infecção”) e
proporciona essa boa sensação.
(...)
Adam Smith, reconhecido por sua publicação de 1776, “A riqueza das
nações”, foi aluno de Hutcheson e, inspirado por ele, escreveu, a propósito da
simpatia, “Teoria dos sentimentos morais” (obra de 1759).
Smith escreveu sobre como a simpatia atua em nossa
consciência e modo de ser... Para isso fez referências ao processo da tortura,
que nos leva a sentir compaixão pelos que padecem... Essa experiência só é
possível porque nos identificamos com o sofrimento alheio, e isso ocorre “por
meio de nossa imaginação”. E é como se entrássemos no corpo do supliciado e,
assim “nos tornamos em alguma medida ele próprio”.
Daí a nos tornarmos indivíduos morais, depende de
compreendermos que também podemos nos tornar (e aceitar que podemos ser) o alvo
da “identificação imaginativa” dos outros. Isso nos leva a desenvolver o
“espectador imparcial” em nosso interior (uma espécie de “bússola moral”). A
autonomia possibilita o desenvolvimento desse “espectador imparcial” interior,
todavia isso só se processa se nos identificamos com os demais. Por isso, de
acordo com Adam Smith, “autonomia” e “simpatia” caminham juntas.
Continua em https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/10/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_11.html
Leia: A
Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto