quinta-feira, 17 de outubro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – revisões sobre as punições aos familiares de Calas; Voltaire, tortura como centro de suas críticas e o “Dicionário Filosófico”; limitações à aplicação da tortura e de situações vexatórias aos condenados da segunda metade do XVIII; influências da Igreja Católica no processo de sistematização das torturas judiciais; torturas indicadas por juízes escoceses nos casos de bruxaria

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/10/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_14.html antes de ler esta postagem:

Podemos dizer que graças ao interesse de Voltaire pelo caso Jean Calas, houve repercussão que beneficiou os parentes do executado que ainda não haviam sido inocentados. O Conselho Real reconsiderou os vereditos, que foram anulados por “razões técnicas”. Isso foi nos anos 1763 e 1764... No ano seguinte o mesmo conselho votou pela absolvição de todos, além de ter deliberado pela devolução dos bens que haviam sido confiscados.
Nota-se que durante o processo, Voltaire transferiu o foco de sua reflexão e crítica (que se concentravam na intolerância), passando a tratar mais especificamente da justiça criminal, das torturas aplicadas e a crueldade que elas promoviam. Seus primeiros textos a respeito do processo contra Calas não citavam “tortura” e quando queria se referir a ela grafava “a questão”.
Voltaire só utilizou o termo “tortura” pela primeira vez em 1766, e desde então passou a se referir aos “suplícios judiciais” a que Calas fora submetido como tal. Para ele, a “compaixão natural” levava todos a abominarem a tortura judicial.
Em 1769, o filósofo incluiu um artigo referente à “Tortura” no “Dicionário Filosófico” que redigiu. Essa obra, desde que havia sido publicada em 1764, já constava do “Index Papal” como livro proibido aos católicos. No citado texto, Voltaire tece críticas veementes às práticas judiciais de seu país e coloca a França entre as nações “incivilizadas”.
O artigo apresentava a contradição entre o que os estrangeiros pensavam da França (uma nação civilizada) a partir “de suas peças teatrais, versos e belas atrizes”, e o que de mais cruel ocorria nos processos judiciais... Sua conclusão é simples: a França que se pretendia civilizada não podia mais continuar com os “antigos costumes atrozes”.
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Durante a década de 1760 passou-se a exigir “punições mais humanas” na França, em diversos outros países da Europa e nas colônias localizadas na América.
Na Prússia, Frederico (o Grande), amigo de Voltaire, aboliu qualquer tipo de tortura judicial em seus domínios já em 1754... Suécia (1772), Áustria e Boêmia (1776) seguiram o exemplo. Em 1780, na França, a monarquia colocou fim à tortura utilizada para se obter confissões antes das condenações. Oito anos depois foi abolida também a tortura anterior às execuções e utilizada para se obter nomes de cúmplices. Na Inglaterra, em 1783, o governo “descontinuou a procissão pública” ao vilarejo de Tyburn, local ao qual o populacho acorria para assistir às execuções. Além disso, nesse mesmo ano, definiu-se o uso regulamentar da “queda”, que era “uma plataforma mais elevada que o carrasco deixava cair para assegurar enforcamentos mais rápidos e mais humanos”.
Os revolucionários franceses de 1789 colocaram termo a toda e qualquer forma de tortura judicial... Anos mais tarde, foi colocada em operação a guilhotina, “que tinha a intenção de tornar a execução da pena de morte uniforme e tão indolor quanto possível”.
O final do século assistiu a uma sensibilização das sociedades ocidentais em relação aos sofrimentos dos supliciados em torturas judiciais e pode se dizer que se tornou consensual exigir a abolição dos procedimentos. O livro destaca que em 1787, Benjamin Rush, médico americano, reforçava o juízo de que também os condenados “possuem almas e corpos compostos dos mesmos materiais que os de nossos amigos e conhecidos. São ossos dos seus ossos”.
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Por influência da legislação romana e com o fortalecimento da Inquisição da Igreja Católica, durante o século XIII, muitos países da Europa adotaram a “tortura judicialmente supervisionada” para obter confissões.
Durante os séculos XVI, XVII e XVIII vários teóricos redigiram códigos e regulamentos para impor limites aos “abusos perpetrados por juízes exageradamente zelosos ou sádicos”.
No caso inglês, a tortura foi substituída por júri ainda durante o século XIII, todavia ela continuou sendo praticada nos casos em que se lidava com envolvidos em agitações políticas ou feitiçaria.
Os juízes escoceses menos tolerantes indicavam “ferroadas, privação de sono, tortura pelas ‘botas’ (esmagamento das pernas), queimaduras com ferro em brasa e outros métodos” contra as “acusadas de bruxaria”...
Ainda ao tempo da colonização, em Massachusetts, havia uma lei que permitia a tortura com a finalidade de se obter nomes de cúmplices, mas ao que tudo indica não era colocada em prática.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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