sexta-feira, 18 de outubro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – dos castigos aos supliciados e punições “post-mortem”; punições aos escravos que cometiam delitos; fragmento de relato sobre o escárnio público às mulheres condenadas em Boston; o “colarinho de ferro” e outros suplícios mais comuns aos condenados na França da segunda metade do século XVIII; alguns dados sobre sentenciamentos em Paris no ano de 1761

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/10/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_17.html antes de ler esta postagem:

Após o veredito de um processo marcado por várias sessões de tortura, o condenado ainda passava por outros castigos (normalmente públicos).
O livro esclarece que o “Bill of Rights” de 1689 proibiu castigos cruéis... Mesmo assim, havia juízes que encaminhavam os criminosos aos rituais finais de suplício: “poste dos açoites; banco dos afogados; tronco; pelourinho; ferro de marcar; arrastamento e esquartejamento (desmembramento do corpo por meio de cavalos)”... Às mulheres sentenciadas reservavam-se os castigos do arrastamento, o esquartejamento e a fogueira.
(...)
A morte de mulheres na fogueira foi proibida pelo parlamento inglês em 1790... O período anterior foi marcado por muitos delitos que fizeram aumentar as estatísticas dos crimes... De fato, o século XVIII assistiu a uma triplicação dos números de “ofensas capitais”. Isso explica o porquê de em 1753 as punições (principalmente por assassinato) terem se tornado ainda mais cruéis numa tentativa de inibir os delitos.
Para ainda mais dissuadir os potenciais criminosos, o parlamento deliberou que os corpos dos assassinos condenados fossem encaminhados à dissecação. Naquela época isso era visto como alta desonra... Outra medida aprovada autorizou os juízes a ordenarem a exposição dos corpos dos assassinos, que podiam ser acorrentados e dependurados.
Conforme o tempo passou, bem aos poucos, as pessoas comuns começaram a sentir repugnância pela violência imposta aos supliciados pela tortura, condenados à morte e ainda expostos de maneira horrenda e vexatória. Apenas em 1834 a prática destinada ao escarnecimento público dos cadáveres dos assassinos foi definitivamente abolida.
(...)
Sabe-se que nas colônias inglesas na América, as cortes seguiam os mesmos expedientes... As humilhações públicas dos cadáveres eram exigidas pelos juízes. Em Massachusetts, um terço das sentenças, inclusive na segunda metade do século XVIII, indicavam algum tipo de “punição extra” como “a perda de uma orelha, a marcação a ferro e o açoite”.
“A Invenção dos Direitos Humanos” cita os registros de um habitante de Boston a respeito dos suplícios públicos destinados às mulheres condenadas:

                   “as mulheres eram tiradas de uma imensa jaula, na qual eram arrastadas sobre rodas desde a prisão, e atadas num poste com as costas nuas, nas quais eram aplicadas trinta ou quarenta chicotadas entre os gritos das culpadas e o tumulto da turba”.

Como os escravos “não eram considerados pessoas com direitos legais”, a “Bill of Rights” não lhes dava qualquer proteção. Na Carolina do Norte e na Virgínia, os escravos acusados de “ofensas hediondas” podiam ser punidos com a castração... Em Maryland, escravos denunciados por “pequenas traições ou incêndio criminoso” tinham a mão direita decepada e, depois de enforcados, eram esquartejados... Os pedaços do corpo eram expostos ao público. Durante a década de 1740, em Nova York, os escravos criminosos que incorriam em delitos “podiam ser queimados até a morte de forma torturantemente lenta, supliciados na roda ou dependurados por correntes até morrerem por falta de alimento”.
(...)
Mesmo com toda sensibilização e oposição à exposição dos sentenciados submetidos a suplícios em público, os tribunais da França prosseguiram sentenciando tais castigos durante a segunda metade do século XVIII. Os mais comuns eram “a marcação a ferro, o açoite ou o uso do colarinho de ferro (que ficava preso a um poste ou ao pelourinho)”. O livro destaca uma reprodução de gravura (de 1760) que ilustra o suplício pelo “colarinho de ferro” e a humilhação pública de um “homem condenado por fraude”.
Em 1761, mesmo ano da condenação de Jean Calas, a alta corte da França pronunciou sentenças sobre 235 apelações de processos julgados pelo tribunal de Châtelet (de instância inferior da capital). Os réus eram homens e mulheres... Desse total, “82 foram sentenciados ao banimento e à marcação a ferro”, a maioria desses casos foi punida com o açoitamento; 9 foram sentenciados “à mesma combinação mais o colarinho de ferro”; outros 19 sofreram a “marcação a ferro e aprisionamento”; 20 seguiram confinados ao Hospital Geral (construído ao tempo de Luís XIV; “servia para recolher marginais, indigentes etc”) assim que foram marcados a ferro ou passaram pelo colarinho de ferro; 12 foram enforcados; 3 passaram pelo suplício da roda; um foi condenado à morte na fogueira.
Lynn Hunt destaca que se os dados dos demais tribunais de Paris fossem contabilizados aos anteriormente expostos, “o número de humilhações públicas e mutilações aumentaria para quinhentas ou seiscentas, com umas dezoito execuções – em apenas um ano, numa única jurisdição”.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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