domingo, 6 de outubro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – ansiedade por autonomia e alterações lentas na legislação britânica; “Robinson Crusoé” e a ideia de “manual” sobre a superação de desafios; valorização da autonomia e mudanças na criação dos bebês; sobre a conquista do direito do divórcio entre as sociedades revolucionárias

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/10/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma.html antes de ler esta postagem:

Os romances e as autobiografias explicitavam o desejo por autonomia individual. Os que viviam na Grã-Bretanha e nas colônias da América do Norte durante o século XVIII constatavam isso em suas leituras mais do que na legislação que se reformava.
Para termos uma ideia, em 1753 foi aprovada na Inglaterra a Lei do Casamento que considerava ilegal a união matrimonial entre os jovens casais (que contavam menos de 21 anos)... A única possibilidade de validar o casamento era o consentimento do pai (ou guardião). Sem dúvida a lei reafirmava a autoridade dos pais, mas o caráter patriarcal em que se notava o poder dos maridos e pais sobre esposas e filhos diminuiu consideravelmente durante o século XVIII.
Para Lynn Hunt, isso também tem a ver com a empatia e mudança de perspectivas em relação à própria vida obtidas a partir da leitura de romances.
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“Robinson Crusoé”, de Daniel Defoe (1719), e a “Autobiografia”, de Benjamin Franklin (1771-88) são obras que definem um período de intenso debate em torno da autonomia enquanto virtude da pessoa. “A Invenção dos Direitos Humanos” destaca que em “Robinson Crusoé” todos podiam ler a respeito da superação do marinheiro naufragado e suas iniciativas para conseguir sobreviver sozinho a todos os perigos... Nesse sentido, o romance pode ser lido como um “manual” em que prevalece o espírito de iniciativa e independência do homem que valoriza a existência.
Essa constatação ainda mais se reforça pelo fato de Rousseau tornar o livro de Defoe obrigatório ao “jovem Emílio”. “Robinson Crusoé” foi lançado na América do Norte em 1774, momento em que o processo de luta pela independência tomava forma ao mesmo tempo em que sofria críticas ferrenhas de opositores do fim do domínio britânico.
O texto de Defoe tornou-se um best-seller na América... Outros dois livros muito populares em 1775 nas colônias inglesas foram “Cartas de Lorde Chesterfield a seu filho” e “O legado de um pai a suas filhas”, de John Gregory... Ambos são considerados “popularizações das visões de Locke sobre a educação de meninos e meninas”.
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As produções literárias citadas produziram expectativas reais nos jovens leitores. Muitos esperavam poder sacramentar as suas escolhas de casamento numa época ainda marcada pelas pressões e indicações da família.
Lynn Hunt ainda relaciona a leitura dessas obras à mudança no tratamento que se dispensava aos recém-nascidos... As pequenas crianças eram mantidas imobilizadas pelos pais, que as envolviam em panos. Rousseau era um dos principais críticos desse hábito, todavia os ingleses foram os primeiros a abandoná-lo. Apesar disso, entre eles foi mantido por mais tempo o costume de castigar fisicamente os meninos nas escolas.
Até meados do século XVIII os ingleses das famílias aristocráticas ainda usavam correias para forçar as crianças a caminharem corretamente... Essa prática também foi abandonada e, na mesma época, optou-se por desmamar os bebês “mais cedo”. Além disso, porque não mais os mantinham enrolados e imobilizados em panos, os pais puderam dedicar-se a ensiná-los a usar o banheiro. È claro que podemos relacionar tudo isso à mentalidade de valorização da autonomia.
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Já em relação ao divórcio, não se pode afirmar que tenha se tornado um direito plenamente acessível a todos os que desejassem a separação matrimonial. Na Inglaterra era praticamente impossível obter a concessão do direito... Em 1857, a Lei das Causas Matrimoniais resultou no estabelecimento de um tribunal específico para os casos de divórcio. Levando-se em conta os cento e cinquenta anos anteriores, “apenas 325 divórcios foram concedidos pela Lei Privada do Parlamento na Inglaterra, no País de Gales e na Irlanda”!
Os dados comparativos entre o número de divórcios concluídos na primeira e na segunda metade do século na Inglaterra mostram que a quantidade passou de 14 para 117 e se resumiam basicamente às solicitações de homens da aristocracia, já que as exigências legais tornavam o divórcio improvável às mulheres. Também as colônias na América do Norte viveram fenômeno parecido, todavia, depois da independência, grande parte dos tribunais que se formaram nos estados passaram a aceitar as petições.
Diferentemente do que ocorreu na Inglaterra, na França dos anos 1792 a 1803, a quantidade de divórcios concedidos atingiu os 20 mil (1800 por ano!). E assim como nos Estados Unidos dos primeiros anos após 1776, a maioria das solicitações era procedente de mulheres.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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