sábado, 12 de outubro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – Jefferson e suas ressalvas sobre a leitura dos romances epistolares pelas jovens; influenciando ativistas dos direitos das mulheres como Mary Wollstonecraft; fragmentos da carta a Joseph Priestley e as limitações do direito à liberdade política; iniciando a problematização sobre as torturas judiciais; fragmentos sobre o processo contra Jean Calas

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/10/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_11.html antes de ler esta postagem:

A respeito dos registros da última postagem, conclui-se que bem poucos se atreviam a defender direitos às mulheres... E mesmo ao tempo dos processos revolucionários na Europa e América, a causa não só não emplacava como era abertamente rejeitada por ativistas dos direitos.
Muitos se posicionaram sobre os efeitos dos romances epistolares sobre o público feminino. Os que se colocavam contra afirmavam que as mulheres não deviam se ocupar com “leituras de histórias de amor”. E mesmo os que haviam manifestado apreço pelas obras passaram a alertar sobre o fato de as mulheres serem mais “suscetíveis” e que, de modo particular, as mais jovens podiam sofrer os abalos psicológicos mais sérios.
Muitos anos depois de suas considerações positivas sobre os romances epistolares, Jefferson (em 1818) destacou que eles podiam ser prejudiciais às moças. Ao lerem histórias carregadas de “paixão desregrada”, podiam ser levadas a “uma imaginação intumescida” e a “um juízo doentio”. Essa advertência influenciou os que manifestavam maior apoio aos direitos das mulheres. A própria Mary Wollstonecraft, escritora inglesa considerada “a mãe do feminismo moderno”, sentenciou que os referidos romances eram “o único tipo de leitura calculado para atrair uma inteligência inocente e frívola”.
Ainda a respeito de Mary Wollstonecraft, “A Invenção dos Direitos Humanos” destaca que também ela publicou dois romances que evidenciavam heroínas. Apesar de se manifestar criticamente a respeito de “Emílio” (no tocante às reservas à educação feminina), ela leu “Júlia” e costumeiramente citava expressões inspiradas em “Clarissa” ou nos romances de Sterne.
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Até aqui percebemos que mesmo os defensores dos direitos não se sentiam à vontade para estendê-los a todos. Em 1802, Jefferson escreveu ao teórico da política inglês Joseph Priestley:

                   “É impossível não ter consciência de que estamos agindo por toda a humanidade; de que circunstâncias negadas a outros, mas a nós concedidas, impuseram-nos o dever de experimentar qual é o grau de liberdade e autogoverno que uma sociedade pode se arriscar a conceder a seus indivíduos”.

O “mais elevado grau de liberdade” aí corresponde à participação política do maior número de homens brancos possível. O livro lembra que para o autor da Declaração de 1776 esse direito poderia se estender aos índios (desde que se tornassem produtores agrícolas). Já em relação aos escravos, Jefferson reconhecia que eles deviam ser vistos como seres humanos, e que deviam ser tratados como tais, todavia nem eles ou as mulheres estariam aptos à participação ativa no Estado que se estruturava.
As ideias expostas por Jefferson em sua carta a Priestley estavam em consonância com o que a maioria dos europeus e americanos pensava sobre o “mais elevado grau de liberdade”. Até o fim de sua vida (1826), Jefferson não assistiu ou vislumbrou qualquer mudança nesse ponto de vista.

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As reflexões sobre “direitos do homem” não podiam deixar de problematizar os processos e as torturas judiciais.
A abordagem inicial desse tema pelo livro destaca que em 1762 o tribunal da cidade de Toulouse condenou Jean Calas, um protestante francês que contava 64 anos, à morte sob a tortura do “suplício da roda”. Calas havia assassinado o próprio filho por motivos religiosos depois de tentar impedi-lo de se converter ao catolicismo.
O caso tornou-se um dos mais debatidos pelos pensadores dos “direitos do homem” (termo utilizado pela primeira vez por Rousseau no mesmo ano do processo contra Calas).
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Antes da execução propriamente dita, o réu foi submetido à “questão preliminar”, uma tortura judicial destinada a obter do supliciado os nomes de seus cúmplices... O texto de Lynn Hunt descreve a cena:

                   “Com os punhos atados bem apertados a uma barra atrás dele, Calas foi esticado por um sistema de manivelas e roldanas que puxava firmemente seus braços para cima, enquanto um peso de ferro mantinha os pés no lugar” (...)
                   “Quando Calas se recusou a fornecer nomes depois de duas aplicações, foi atado a um banco e jarros de água foram despejados à força pela sua garganta, enquanto a boca era mantida aberta por dois pauzinhos” (...)
                   “Pressionado de novo a citar nomes, diz-se que ele respondeu: ‘Onde não há crime, não pode haver cúmplices’”.

Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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