sexta-feira, 11 de outubro de 2019

“A Invenção dos Direitos Humanos – uma história”, de Lynn Hunt – simpatia e sensibilidade pensadas na América do Norte; advertências médicas sobre os perigos da “melancolia adquirida” através das leituras; abolicionistas e a ideia da produção das autobiografias para suscitar adesão à causa; o exemplo de Olaudah Equiano; da pouca atenção dos ativistas em relação à condição feminina; considerações de Emmanuel Joseph Sieyès sobre cidadãos ativos e cidadãos passivos

Talvez seja interessante retomar https://aulasprofgilberto.blogspot.com/2019/10/a-invencao-dos-direitos-humanos-uma_7.html antes de ler esta postagem:

Sterne mereceu destaque em suas citações relacionadas à moralidade, mas Jefferson foi leitor também de Hutcheson e de Adam Smith... Por isso é praticamente certo que os temas da simpatia e da sensibilidade tenham sido objetos de suas reflexões.
“The power of Sympathy” é o título do primeiro romance (1789) escrito por um americano. Sem dúvida esse é um indicador do debate a respeito dessas faculdades. A literatura o reproduzia, e isso se repetia nas artes em geral e na medicina. Aconteceu mesmo que vários médicos começaram a alertar para os perigos que as pessoas corriam ao se dedicarem muito tempo à experiência da empatia... Para eles, isso provocava melancolia, hipocondria e “vapores”. Advertia-se sobretudo as “damas desocupadas”, pois elas passavam boa parte do tempo absorvidas pelas leituras.
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Graças à simpatia e à sensibilidade (os franceses preferiam este último termo), as sociedades revolucionárias experimentaram mobilizações diversas a favor de vários grupos marginalizados e que não eram “emancipados”... Apesar disso, a condição das mulheres parecia não despertar nenhuma indignação.
Talvez inspirados pela metodologia empregadas nos romances epistolares, os abolicionistas incentivavam os negros alforriados a escreverem autobiografias em forma de romance. Essa iniciativa resultou em aumento da quantidade de simpatizantes da causa da abolição. O livro cita a produção literária de Olaudah Equiano, publicada em Londres no ano de 1789, como uma obra impactante que exemplifica o anteriormente explicitado... O título do livro de Equiano é “The Interesting Narrative of the Life of Olaudah Equiano, Or Gustavus Vassa, The African – Written by Himself”.
Os abolicionistas fundamentaram sua causa em narrativas como essa, mas nada que se referisse à condição das mulheres sem direitos os levava a ampliar o seu leque de reivindicações. Na França, da época logo após a publicação dos direitos cidadãos, tornou-se comum a discussão e a defesa dos “direitos de protestantes, judeus, negros livres e até escravos”... Mas essa atmosfera, em vez de favorecer uma atenção maior aos direitos das mulheres, revelou-se ainda mais cruel na medida em que os principais ativistas declaravam-se contra a concessão de direitos a elas.
Não devemos imaginar que nos Estados Unidos a situação fosse diferente. Pelo contrário! Enquanto a situação dos escravizados provocava indignação e debates acalorados, a condição das mulheres chamava menos atenção e provocava “ainda menos comentário público do que na França”. “A Invenção dos Direitos Humanos” destaca que elas “não obtiveram direitos políticos iguais em nenhum lugar antes do século XX”.
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Durante o século XVIII, as mulheres ainda eram vistas como criaturas dependentes, sem qualquer capacidade de autonomia política. Na vida particular, entre os seus, elas até podiam manifestar seu desejo por autodeterminação e por reconhecimento moral, mas jamais evidenciar qualquer anseio por direitos políticos.
O movimento e os documentos aprovados na França de 1789 resultaram em direitos às mulheres, todavia eles não se relacionavam a qualquer equiparação ao status político dos homens.
Emmanuel Joseph Sieyès, religioso católico eleito para a Assembleia Constituinte na França revolucionária e autor de textos sobre teoria constitucional, tratou de explicar a respeito das diferenças “entre os direitos naturais e civis, de um lado, e os direitos políticos, de outro”.
De acordo com suas ideias, todos os que vivem em um país (isso inclui as mulheres) têm os direitos de “cidadão passivo”: à proteção, à propriedade e à liberdade. Mas nem todos são considerados “cidadãos ativos”. Esses são os que podem “participar diretamente das atividades públicas”.
De acordo com Sieyès, eram cidadãos passivos: “As mulheres, ao menos no presente estado, as crianças, os estrangeiros, aqueles que não contribuem para manter a ordem pública”.
Podemos dizer que o fragmento apresentado permitiria vislumbrar alterações futuras... É certo que muitos que ousaram antecipá-las viram-se frustrados em suas tentativas.
Leia: A Invenção dos Direitos Humanos. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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