domingo, 31 de dezembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – a dramática história do pobre vendilhão de pedras esculpidas expulso do templo – II parte; nova concentração para a declaração de confirmação da sentença do Senadrim; comemorações interrompidas ao anúncio do intérprete a respeito da possibilidade de perdão ao condenado

Boas festas a todos.

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_30.html antes de ler esta postagem:

O velho teceu duras críticas ao Rabi da Galileia... Em sua opinião, Ele não se manifestou contra os comerciantes ricos porque esses podiam pagar as pesadas taxas! Sua atitude tirou o seu sustento...
Restava-lhe andar por aí... E pensar que tinha uma filha viúva e adoentada e com os filhos pequenos e famintos! O que ele não conseguia entender era por que sofrera tamanha violência... Como podia aquilo ocorrer? Sempre fora humilde, cumpridor do Sabá e frequentador da sinagoga em Naim! Acaso fazia algum mal vendendo nas proximidades do templo? Ofendia o Senhor? Jamais estendera a esteira e instalara suas pedras sem antes beijar as lajes e pedras!
Lágrimas escorreram pelas faces do pobre velho que por fim sentenciou que “Jeová é grande” e que havia sido expulso pelo Rabi porque era pobre...
(...)
Teodorico emocionou-se com o depoimento do velho... Em seus registros, explicou que ficou angustiado porque entendia que Jesus não se dera conta do trauma causado ao pobre “vendilhão”... Em síntese, o Raposo pensava que as mãos misericordiosas de Jesus criaram involuntariamente essa situação assim “como a chuva benéfica por vezes, fazendo nascer a sementeira, quebra e mata uma flor isolada”.
(...)
Sensibilizado com a história do comerciante injustiçado, Teodorico resolveu dar-lhe várias de suas moedas (“dracmas, crisos gregos de Filipe, áureos romanos de Augusto”...), incluindo uma da Cirenaica que trazia como cunha “uma cabeça de Zeus Amon”.
Com isso imaginava “pagar a dívida de Jesus” em Sua injustiça aos pobres que vendiam no templo... Teodorico pensou nos próprios pecados... Talvez sua iniciativa levasse “o Pai de Jesus” a perdoá-lo.
Também Topsius resolveu entregar “um lepta de cobre” (valia “um grão de milho” na Judeia) ao homem... Este acomodou o dinheiro junto ao peito, olhou para as nuvens e pediu ao Pai dos céus que se lembrasse daquele que lhe dava para “o pão de longos dias”.
(...)
O velho pedreiro de Naim sumiu no meio da multidão...
No átrio as pessoas se concentravam novamente à sombra do grande tecido romano sustentado por mastros...
No centro das atenções estavam o escriba, que parecia ainda mais ofegante por causa do calor, e o Rabi cercado por guardas do templo... Sareias chegou com seu cajado e tomou sua posição.
Logo apareceram os lictores em meio ao brilho de armas... Evidentemente antecediam o pretor... Este chegou com sua longa toga, subiu os degraus e sentou-se na cadeira de costume.
O silêncio dominou o ambiente de tal forma que foi possível ouvir as buzinas da longínqua Torre Mariana.
Sareias abriu o pergaminho escuro e o colocou sobre a mesa onde já se encontravam os vários livros de regras... O escriba traçou uma rubrica e cravou um selo no documento apresentado pelo representante do Sanedrim, que condenava o Rabi da Galileia à morte...
Na sequência, Pilatos ergueu o braço e confirmou a sentença da corte judaica. Depois de colocar uma das pontas de seu manto sobre o turbante, Sareias abriu as mãos e elevou-as ao céu para orar... Via-se que os fariseus comemoravam... Alguns se beijavam triunfantes... Outros aclamavam “Bene et belle! Non potest melius!" a se divertirem com as máximas proferidas após os julgamentos presididos pelos romanos.
De repente o intérprete tomou a palavra... Os que celebravam interromperam suas manifestações e silenciaram. Foi uma surpresa porque todos ali tomavam o caso por encerrado.
O fenício havia falado discretamente com o escriba... Depois de um leve sorriso pronunciou em alta voz, em caldaico, que na festa de Páscoa havia o costume (desde as determinações do pretor Valério Grato) de o pretor conceder o perdão a um criminoso.
O silêncio tornou-se aterrador... O intérprete explicou que o pretor propunha o perdão ao Rabi... E acrescentou que o povo local tinha o direito de escolher, entre os condenados, quem seria beneficiado.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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