Teodorico registra que a inesperada movimentação chamou-lhe a atenção... Foi Topsius quem explicou que aqueles certamente eram mercadores que haviam sido importunados por Jesus no dia anterior.
De acordo com o sábio alemão, em mais uma de Suas imprudências, o Rabi agitou um bastão exigindo a aplicação da lei que proibia o comércio profano no templo... Os mercadores recolheram suas bugigangas às pressas e deixaram as proximidades dos pórticos.
(...)
Neste ponto do relato do longo sonho, notamos que Topsius se dirige a
Teodorico tratando-o por “D. Raposo”... Como isso se justifica?
Vimos
que desde que subiu à galeria para acompanhar o processo que o Sanedrim movia
contra Jesus, Teodorico perdeu completamente os referenciais de sua existência
e passou a se reconhecer como personagem da época, cujo “tempo presente” era o
mesmo dos que o rodeavam!
A confusão só se
explica se levarmos em consideração as alterações do estado delirante do
sujeito que experimenta o sonho.
(...)
Toda aquela gente de
negócios se reuniu porque o dia alcançara a “sexta hora judaica”. Liberados dos
afazeres de ofício, concentraram-se para acompanhar a continuação do processo
contra o Rabi.
Conforme
o tempo passava, mais e mais negociantes apareciam... Muitos acabavam de sair
das tinturarias da vizinhança e traziam borrões de pigmentos na pele...
Escribas se acomodavam sem abandonar os
tabulários... Os instrumentos de trabalho revelava o ofício de cada um, assim
não era difícil identificar jardineiros, alfaiates ou músicos fenícios.
Duas gregas com suas
perucas amareladas, que andavam “sacudindo a roda da túnica” e a espalhar um
cheiro de manjerona, foram reconhecidas como prostitutas de Tiberíade.
(...)
Para os mais
afastados, a grande concentração de pessoas impossibilitava uma melhor visualização
do palco das ações que todos pretendiam acompanhar... Mesmo assim, Teodoricus
(ou Teodorico Raposo) pôde notar muitos legionários cercando o condenado com
suas lanças... Do ponto onde estava, mal distinguia o Rabi. O avanço da
multidão estava contido, mas a aglomeração persistia.
(...)
Então não foi por
acaso que o português passou a prestar atenção ao triste tilintar de uma sineta
desde a passagem abaixo da galeria. Logo notou um vendedor com seu cesto
carregado de hortaliças e outras folhas e frutos (folha de parra e figos de
Betfagé)... Teodorico quis saber o preço daqueles mimos de hortos “tão louvados
pelos evangelhos”...
O homem perguntou o que eram aqueles poucos figos para um estrangeiro “da
abundância” que vinha “dalém do mar”. Depois explicou e fez sua propaganda ao
dizer que Jeová orienta “que os irmãos troquem presentes e bênçãos”... Disse
que seus figos haviam sido colhidos logo pela manhã e, de tão formosos e
suculentos, podiam ser servidos à mesa de Hanão.
O vendedor colocava-se como negociante dos mais desinteressados... Disse
mesmo que aqueles “melhores figos da Síria” eram como que prenda e que Deus
abençoaria o comprador.
Teodorico entendeu
que assim negociavam desde os tempos dos patriarcas... Percebeu que devia fazer
a sua parte e declarou que Jeová, Deus forte, o ordenava a pagar pelos frutos “com
o dinheiro cunhado pelos príncipes”.
O
outro acomodou o cesto no chão e segurou um figo em cada uma das mãos, repetiu
que “Jeová é o mais forte” e se era da Sua vontade que o estrangeiro adquirisse
os frutos mais doces do que do que os lábios da própria esposa, então devia
definir um preço por eles.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_13.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto