sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – mercadores expulsos das imediações do templo se concentram para ofender o Rabi da Galileia; “crise de identidade” no longo sonho?; vendilhões dos mais variados ofícios; negociando figos com um mercador de hortaliças, folhas e frutos

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_29.html antes de ler esta postagem:

Teodorico registra que a inesperada movimentação chamou-lhe a atenção... Foi Topsius quem explicou que aqueles certamente eram mercadores que haviam sido importunados por Jesus no dia anterior.
De acordo com o sábio alemão, em mais uma de Suas imprudências, o Rabi agitou um bastão exigindo a aplicação da lei que proibia o comércio profano no templo... Os mercadores recolheram suas bugigangas às pressas e deixaram as proximidades dos pórticos.


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Neste ponto do relato do longo sonho, notamos que Topsius se dirige a Teodorico tratando-o por “D. Raposo”... Como isso se justifica?
Vimos que desde que subiu à galeria para acompanhar o processo que o Sanedrim movia contra Jesus, Teodorico perdeu completamente os referenciais de sua existência e passou a se reconhecer como personagem da época, cujo “tempo presente” era o mesmo dos que o rodeavam!
A confusão só se explica se levarmos em consideração as alterações do estado delirante do sujeito que experimenta o sonho.
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Toda aquela gente de negócios se reuniu porque o dia alcançara a “sexta hora judaica”. Liberados dos afazeres de ofício, concentraram-se para acompanhar a continuação do processo contra o Rabi.
Conforme o tempo passava, mais e mais negociantes apareciam... Muitos acabavam de sair das tinturarias da vizinhança e traziam borrões de pigmentos na pele... Escribas  se acomodavam sem abandonar os tabulários... Os instrumentos de trabalho revelava o ofício de cada um, assim não era difícil identificar jardineiros, alfaiates ou músicos fenícios.
Duas gregas com suas perucas amareladas, que andavam “sacudindo a roda da túnica” e a espalhar um cheiro de manjerona, foram reconhecidas como prostitutas de Tiberíade.
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Para os mais afastados, a grande concentração de pessoas impossibilitava uma melhor visualização do palco das ações que todos pretendiam acompanhar... Mesmo assim, Teodoricus (ou Teodorico Raposo) pôde notar muitos legionários cercando o condenado com suas lanças... Do ponto onde estava, mal distinguia o Rabi. O avanço da multidão estava contido, mas a aglomeração persistia.
(...)
Então não foi por acaso que o português passou a prestar atenção ao triste tilintar de uma sineta desde a passagem abaixo da galeria. Logo notou um vendedor com seu cesto carregado de hortaliças e outras folhas e frutos (folha de parra e figos de Betfagé)... Teodorico quis saber o preço daqueles mimos de hortos “tão louvados pelos evangelhos”...
O homem perguntou o que eram aqueles poucos figos para um estrangeiro “da abundância” que vinha “dalém do mar”. Depois explicou e fez sua propaganda ao dizer que Jeová orienta “que os irmãos troquem presentes e bênçãos”... Disse que seus figos haviam sido colhidos logo pela manhã e, de tão formosos e suculentos, podiam ser servidos à mesa de Hanão.
O vendedor colocava-se como negociante dos mais desinteressados... Disse mesmo que aqueles “melhores figos da Síria” eram como que prenda e que Deus abençoaria o comprador.
Teodorico entendeu que assim negociavam desde os tempos dos patriarcas... Percebeu que devia fazer a sua parte e declarou que Jeová, Deus forte, o ordenava a pagar pelos frutos “com o dinheiro cunhado pelos príncipes”.
O outro acomodou o cesto no chão e segurou um figo em cada uma das mãos, repetiu que “Jeová é o mais forte” e se era da Sua vontade que o estrangeiro adquirisse os frutos mais doces do que do que os lábios da própria esposa, então devia definir um preço por eles.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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