As palavras de Pilatos foram ouvidas pelos que acompanhavam Sareias. Eles trocaram alguns sussurros e começaram a recuar...
Quem permaneceu no limiar da porta foi o Rabi Robã com o seu longo manto azul. Desde sua tiara uma joia brilhava e, com os longos cabelos grisalhos, conferia-lhe autoridade e serenidade.
(...)
Rabi Robã levantou a mão e no mesmo instante os demais pararam para
ouvi-lo. O velho dirigiu-se a Pilatos chamando-o “oficial de César, muito justo
e muito sábio”... Depois iniciou sua falação dizendo que o homem que ele
chamava de “visionário” vinha há muitos anos ofendendo as leis locais e
blasfemando...
O
sábio homem “disse mais do mesmo”... Quer dizer, ele sabia que aquelas
acusações de cunho religioso não afetavam o poder político romano na região...
Então, na sequência, chamou a atenção para o fato de jamais O terem prendido.
Isso só ocorreu depois que Ele entrou triunfalmente pela Porta de Ouro e sendo
aclamado como Rei da Judeia.
Rabi Robã levantava
um questionamento grave... Disse que a Judeia não tinha outro rei senão Tibério
que governava Roma... Afirmou que apenas um sedicioso se autoproclamava rei! O
que estavam esperando para castigá-Lo?
O velho argumentou
que ele e os que o acompanhavam se apressaram a tomar providências e O
condenaram. E nem sequer tinham mandato de César! Dito isto, restava saber se
Pôncio, um oficial do imperador, insistiria em livrar o rebelde que se
levantava contra a autoridade imperial.
(...)
Pilatos
enrubesceu... Ele percebeu que sua retidão era o motivo da indignação do Rabi
Robã e dos demais... Sem dúvida notou a incoerência dos judeus ali presentes...
Todos execravam Roma, no entanto, para alimentar o ódio que seus sacerdotes
nutriam pelo Réu da Galileia, queriam ser vistos como zelosos em relação ao
poder imperial.
Aquilo pareceu demais
para Pilatos... E foi por isso que exclamou sem pestanejar que os que o haviam
solicitado para aquela improvisada audiência deviam cessar a falação... Emendou
que procuradores de César não se transferiam para as “colônias bárbaras” para
aprender sobre seus deveres para com o império...
(...)
Manassés o ouvia sem
esconder sua agitação... Puxou a barba e afastou-se do grupo.
Já o Rabi Robã mostrou indiferença às palavras do pretor... Com sua
habitual calma, perguntou o que faria o procurador do império em Alexandria se
um “visionário” aparecesse desde Bubastes a se proclamar “rei do Egito”... O
velho mesmo respondeu que o procurador de César na Alexandria faria exatamente
o que Pôncio não queria fazer naquelas paragens bárbaras da Ásia.
Depois, recorrendo à metáfora como anteriormente fizera Manassés, Rabi
Robã disse que “o amo entrega sua vinha ao criado, que deve guardá-la”, e foi
então que questionou: este permitiria que entrassem nela e que a vindimassem?
(...)
Rabi Robã não mediu palavras... Perguntou a
Pilatos qual era a razão de estar na Judeia... Para que a sexta legião estava
instalada na Torre Antônia?
Como que a concluir
seu desabafo, o velho sentenciou que a voz de seus companheiros era “clara e
alta bastante” para chegar aos ouvidos do imperador.
Pilatos adiantou-se um pouco em direção à porta e olhou fixamente para
os judeus... Ele sabia que o estavam encurralando numa trama de rancores
religiosos... Encheu-se de dignidade e disse que não receava suas intrigas...
Garantiu que Elio Lama era seu amigo e que o imperador o conhecia bem.
Ao que parece, as
palavras de Pilatos o envolveram ainda mais na trama que o velho estava formatando...
Na sequência, Rabi Robã vociferou uma série de juízos que levantavam graves
suspeitas contra o modo de proceder do pretor. Ao mesmo tempo, isso fortaleceu
a confiança de seus seguidores.
Mas
isso fica para a próxima.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_53.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto