sábado, 23 de dezembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – mudança brusca no sonho; presente no julgamento como contemporâneo dos demais; três réus e respectivas acusações; Sareias e o pergaminho escurecido; assessor romano, escriba e intérprete estrangeiros

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_19.html antes de ler esta postagem:

Teodorico e Topsius subiram à galeria... O velho e digno Rabi Robã acomodou-se num banco com a criança que o acompanhava.
Um pretoriano guardava uma porta de cedro na extremidade daquele ambiente ladrilhado e claro... O tipo ostentava escudo e outros paramentos militares... Mas não foi para aquela direção que Teodorico caminhou.
Ele resolveu percorrer o parapeito. Avistou a movimentação do piso inferior e, graças à sua posição, pôde contemplar comodamente o local para onde os olhares de todos se dirigiam. Foi assim que viu pela primeira vez o Rabi da Galileia, o próprio Jesus Cristo!
(...)
Seus receios não se confirmaram... Suas pernas não vacilaram, ele não caiu. Não se sentiu aterrorizado ou extasiado...
Tudo o que conhecia de religião e da história do cristianismo parecia ter desaparecido de sua consciência. Seus registros dão conta de que viu um Homem moreno e seco... Não o relacionou com o “redentor da humanidade”... E pelo visto essa possibilidade deixou de existir.
A partir daquele momento, o seu tempo presente tornou-se o mesmo dos que o rodeavam.
(...)
O sonho narrado até então sofreu brusca mudança.
O português não se reconhecia mais como Teodorico Raposo, formado em Direito, católico que se esforçava por ter o reconhecimento da rica tia que vivia na distante Lisboa.
O que se pode dizer para que a situação possa ser melhor compreendida? Teodorico viu-se simplesmente como um estrangeiro entre os tantos homens de Jerusalém... Seu ser foi alterado! É isso. Ele mesmo explica que se percebeu como um lusitano de nome Teodoricus, que havia chegado às terras palestinas dominadas pela Roma do imperador Tibério.
Sendo assim, não tinha por que admirar-se com o cenário que contemplava...
(...)
O grande espaço ladrilhado era palco de uma audiência que definia punições para três sujeitos... Um deles era um ladrão que surrupiava os viajantes na estrada de Siquém; outro era um tipo que havia se envolvido numa confusão em Emá e que assassinara seu oponente a facadas... O terceiro era um rapaz sonhador da Galileia, sobre o qual dizia-se que havia descido de sua aldeia espalhando ideias sobre “um mundo novo e um céu renovado”.
Este último estava de pé diante do pretor (Pilatos)... Ele tinha as mãos amarradas por longa corda que se arrastava no piso. Um manto de lã grossa O cobria da cabeça aos pés calçados por sandálias bem gastas. Na cabeça trazia um turbante branco (nada de coroa de espinhos a lhe ensanguentar a testa e faces) bem amarrado pela faixa de linho que passava por baixo de sua barba.
Este detido tinha longos cabelos ressecados, Suas sobrancelhas eram grossas e Seu olhar era profundo... O Homem permanecia imobilizado e apenas eventualmente notava-se um leve tremor de Suas mãos ou uma respiração um pouco mais longa... Certamente a área cercada pelo mármore e coberta pelo espesso tecido romano tinha pesada atmosfera que sufocava o rapaz acostumado aos ares dos montes e lagos da Galileia. 
(...)
A atenção de todos voltou-se a Sareias, representante do Sanedrim naquele tribunal... Depois de deitar o báculo dourado (cajado que trazia a insígnia que o qualificava), desenrolou um pergaminho escuro e o leu lentamente... Ao seu lado estava um assessor romano que, abanando-se com um leque feito de folhas de hera seca, não escondia o quanto sofria com o calor do mês de Nizam.
Como não podia deixar de ser, um escriba ocupava uma mesa de pedra repleta de livros... Este tipo era de avançada idade e seu peso tornava a pele lustrosa... Próximo a ele estava um sorridente intérprete fenício que vestia uma jaqueta onde se via um papagaio vermelho.
(...)
Sareias enrolou o pergaminho escuro, fez uma saudação a Pilatos e beijou um sinete (o selo da verdade) que trazia num dos dedos para deixar claro que os pronunciamentos que faria eram verdadeiros.
Num primeiro momento, discursando em grego, fez umas adulações ao tetrarca da Galileia, Herodes Antipas.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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