Teodorico e Topsius subiram à galeria... O velho e digno Rabi Robã acomodou-se num banco com a criança que o acompanhava.
Um pretoriano guardava uma porta de cedro na extremidade daquele ambiente ladrilhado e claro... O tipo ostentava escudo e outros paramentos militares... Mas não foi para aquela direção que Teodorico caminhou.
Ele resolveu percorrer o parapeito. Avistou a movimentação do piso inferior e, graças à sua posição, pôde contemplar comodamente o local para onde os olhares de todos se dirigiam. Foi assim que viu pela primeira vez o Rabi da Galileia, o próprio Jesus Cristo!
(...)
Seus
receios não se confirmaram... Suas pernas não vacilaram, ele não caiu. Não se
sentiu aterrorizado ou extasiado...
Tudo o que conhecia
de religião e da história do cristianismo parecia ter desaparecido de sua
consciência. Seus registros dão conta de que viu um Homem moreno e seco... Não
o relacionou com o “redentor da humanidade”... E pelo visto essa possibilidade
deixou de existir.
A
partir daquele momento, o seu tempo presente tornou-se o mesmo dos que o
rodeavam.
(...)
O sonho narrado até
então sofreu brusca mudança.
O português não se
reconhecia mais como Teodorico Raposo, formado em Direito, católico que se
esforçava por ter o reconhecimento da rica tia que vivia na distante Lisboa.
O que se pode dizer
para que a situação possa ser melhor compreendida? Teodorico viu-se simplesmente
como um estrangeiro entre os tantos homens de Jerusalém... Seu ser foi alterado!
É isso. Ele mesmo explica que se percebeu como um lusitano de nome Teodoricus,
que havia chegado às terras palestinas dominadas pela Roma do imperador
Tibério.
Sendo assim, não
tinha por que admirar-se com o cenário que contemplava...
(...)
O grande espaço
ladrilhado era palco de uma audiência que definia punições para três
sujeitos... Um deles era um ladrão que surrupiava os viajantes na estrada de
Siquém; outro era um tipo que havia se envolvido numa confusão em Emá e que
assassinara seu oponente a facadas... O terceiro era um rapaz sonhador da
Galileia, sobre o qual dizia-se que havia descido de sua aldeia espalhando
ideias sobre “um mundo novo e um céu renovado”.
Este último estava de pé diante do pretor (Pilatos)... Ele tinha as mãos
amarradas por longa corda que se arrastava no piso. Um manto de lã grossa O
cobria da cabeça aos pés calçados por sandálias bem gastas. Na cabeça trazia um
turbante branco (nada de coroa de espinhos a lhe ensanguentar a testa e faces)
bem amarrado pela faixa de linho que passava por baixo de sua barba.
Este detido tinha longos cabelos ressecados, Suas sobrancelhas eram
grossas e Seu olhar era profundo... O Homem permanecia imobilizado e apenas
eventualmente notava-se um leve tremor de Suas mãos ou uma respiração um pouco
mais longa... Certamente a área cercada pelo mármore e coberta pelo espesso
tecido romano tinha pesada atmosfera que sufocava o rapaz acostumado aos ares
dos montes e lagos da Galileia.
(...)
A atenção de todos voltou-se a Sareias,
representante do Sanedrim naquele tribunal... Depois de deitar o báculo dourado
(cajado que trazia a insígnia que o qualificava), desenrolou um pergaminho escuro
e o leu lentamente... Ao seu lado estava um assessor romano que, abanando-se
com um leque feito de folhas de hera seca, não escondia o quanto sofria com o
calor do mês de Nizam.
Como não podia deixar
de ser, um escriba ocupava uma mesa de pedra repleta de livros... Este tipo era
de avançada idade e seu peso tornava a pele lustrosa... Próximo a ele estava um
sorridente intérprete fenício que vestia uma jaqueta onde se via um papagaio
vermelho.
(...)
Sareias enrolou o pergaminho escuro, fez uma saudação a Pilatos e beijou
um sinete (o selo da verdade) que trazia num dos dedos para deixar claro que os
pronunciamentos que faria eram verdadeiros.
Num
primeiro momento, discursando em grego, fez umas adulações ao tetrarca da Galileia,
Herodes Antipas.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_25.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto