Houve certo tumulto na galeria...
Grande quantidade de fariseus intolerantes se dirigiu ao banco onde o Rabi Robã havia se instalado... Topsius e Teodoricus resolveram se juntar à turba e encontraram o velho conversando com Manassés enquanto acariciava a cabeleira loura da criança que o acompanhava.
(...)
Sareias era o porta-voz do grande grupo. Com determinação, dirigiu-se ao
Rabi dizendo que era necessário falar com o pretor... Este papel cabia a ele!
Os demais repetiram que Rabi Robã tinha de conversar com Pilatos para “salvar a
lei” e “salvar Israel”.
Aos
poucos o velho se levantou... Todos silenciaram... Sua figura lembrava a de “um
grande Moisés”. Um dos levitas o adulou dizendo que ele era “justo, sábio,
perfeito e forte diante do Senhor”.
Rabi Robã abriu as
mãos e as levantou. Em sinal de respeito, o grupo se curvou... Foi como se
aqueles homens entendessem que o espírito de Deus “tivesse descido para encher
aquele coração justo”.
Não
houve pronunciamento. Os fariseus viraram-se e caminharam na direção da porta
de cedro... O Rabi Robã seguiu-os de mãos dadas com a criança.
(...)
O pretoriano guardava
disciplinarmente a porta... Conforme as pessoas se aproximaram, cruzou a lança
diante do peito. Depois acionou as argolas de prata que pendiam da grossa
madeira... Gonzos rangeram e logo um tribuno palaciano apareceu para conferir o
que estava acontecendo.
A
porta abriu-se e revelou a sala do interior. Ela era pouco iluminada e tinha as
paredes cobertas por estuques escuros. No centro estava a estátua do
imperador... Nos cantos havia dois tocheiros em bronze, e era deles que provinha
a parca luminosidade.
Os judeus não
entraram... Todos os presentes sabiam bem que em época pascal não se pisava em
solo pagão. Foi Sareias quem tomou a frente e comunicou ao tribuno que “alguns
da nação de Israel” aguardavam que o pretor viesse até eles.
O tribuno se retirou
e o ambiente foi tomado de silêncio... Depois de pouco tempo, os dois lictores
surgiram e logo atrás estava Pilatos com sua formosa toga. Todos se curvaram
brevemente. O pretor parou junto à estátua e “estendeu a mão que segurava um
pergaminho enrolado”.
Pilatos os saudou com o costumeiro “que a paz seja convosco e com as
vossas palavras”... Sareias, o vogal do Sanedrim, deu uns passos à frente e
pôs-se a falar garantindo que os corações de todos os que vinham até ele
estavam repletos de paz.
Sareias foi direto ao assunto... Disse que o pretor havia deixado o
julgamento sem uma confirmação ou anulação da sentença de condenação do
Sanedrim ao Réu Jesus-bem-José... Depois usou de metáfora para explicar a
ansiedade que os dominava... Disse que se sentiam como aquele que “vê a uva na
vinha, suspensa, sem secar e sem amadurecer”.
(...)
Para o Teodorico que registra as memórias,
Pilatos tinha o aspecto dos que se esforçam para se mostrarem justos... Se pretendia
mostrar-se sensato, ao mesmo tempo parecia faltar-lhe lucidez.
Ele disse que havia
interrogado o preso e que não encontrou nenhuma culpa que o levasse, como
procurador da Judeia, a puni-lo... Emendou que Herodes Antipas, “rei da
Galileia”, prudente, forte e praticante da lei (e que além do mais orava no
templo de Jerusalém), também o interrogara e não viu dolo algum.
Pilatos explicou que
o Réu dizia coisas incoerentes... Tratava-se de um sonhador... Ele não era um
criminoso sanguinolento... Nenhuma acusação de roubo à propriedade alheia
pesava contra Ele. Não havia como puni-lo a partir da lei imperial romana!
O
homem era apenas um “visionário”! Foi isso o que o pretor quis dizer.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_92.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto