Pilatos entendeu que precisava se justificar...
Começou a falar que já fazia sete anos que governava a Judeia... Perguntou se Rabi Robã ou um de seus liderados poderia confirmar se durante aquele período o viram cometer injustiças ou se o flagraram praticando alguma infidelidade ao império...
Empalideceu... Mas isso não o impediu de dizer que as ameaças que tinha acabado de ouvir não o intimidavam. Destacou que sempre fizera concessões às autoridades sacerdotais. Justificou que agira dessa forma para proveito da ordem e do imperador.
Garantiu que o imperador o conhecia bem... Era para que não houvesse desacordos que fizera concessões. Lembrou que desde Copônio, nenhum outro procurador respeitara tanto as leis judaicas quanto ele. Acrescentou que mandara supliciar os dois homens de Samaria que apareceram para “poluir o templo”.
Ele queria deixar claro que não desejava dissensões, mal entendidos ou troca de “palavras amargas”...
Os fariseus ouviram o pretor... Diante da porta de cedro o silêncio se fez... De repente ele interrompeu a falação e pareceu hesitar. Logo esfregou e sacudiu as mãos como se as tivesse mergulhado numa vasilha de águas impuras.
Na sequência perguntou se queriam mesmo a vida do “visionário”... Sentenciou que não se importava com isso e podiam tomá-lo. Se achavam a flagelação insuficiente e pretendiam crucificá-lo, podiam fazê-lo.
Por fim ressaltou que nada tinha a ver com o derramamento daquele sangue... No mesmo instante um dos levitas disparou com paixão que eram eles que pretendiam que o sangue de Jesus fosse derramado em suas próprias cabeças.
(...)
As palavras do levita
fizeram alguns estremecer... Talvez considerassem mesmo que poderes
sobrenaturais podem tornar vivas as coisas pensadas.
Pilatos voltou-se
para o interior da sala e desapareceu... O decurião fez uma saudação aos que
acompanhavam Sareias e o Rabi Robã e depois trancou a porta de cedro.
Rabi Robã estava sereno e “resplandecente como um justo”, declarou que
era preferível que um homem só sofresse, pois o povo inteiro é que não devia
padecer... Alguns fariseus seguravam sua túnica e a beijavam...
(...)
Teodoricus se emocionou... Atirou-se sobre um banco e procurou algum
ponto onde pudesse fixar o olhar... Notou dois legionários que tinham folgado
os cinturões e bebiam de um recipiente constantemente abastecido por um negro
que trazia o odre acomodado nos ombros... Mais adiante estava uma mulher de
destacada beleza e força a sustentar os filhos junto aos peitos nus... Mais
distante ainda via-se um pastor carregado de peles a exibir o braço
ensanguentado.
Na
sequência o rapaz fechou os olhos... Sentiu-se ainda mais confuso ao notar que
pensava na vela toda fumarenta e vermelha que deixara junto à sua cama na
tenda.
Depois adormeceu.
(...)
Ao despertar,
observou que a cadeira reservada para o pretor estava vazia. À frente dela
estava a almofada gasta pelos pés de Pilatos... Do átrio chegava o murmúrio da
grande concentração de pessoas... Uma multidão!
Entre
os presentes, havia muitos homens rudes que usavam capas curtas e empoeiradas
das lajes das praças... Não poucos traziam balanças e gaiolas em suas mãos.
Mulheres que os acompanhavam esbravejavam contra o Réu da Galileia... Todavia
algumas delas estavam mais preocupadas em anunciar mercadorias que traziam nas
dobras de suas vestes (grãos de aveia torrada, potes com óleos unguentos,
corais, braceletes elaborados com fios metálicos de Sídron...).
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_90.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto