Então é isso...
De um momento para outro Teodorico passou a considerar a possibilidade de “ver Jesus”, Sua túnica, Seus gestos e olhos... E mais do que isso, poderia ouvi-Lo e observar ao redor o que ocorria no instante mesmo em que falava.
Foi incrível reconhecer que a mesma brisa que estava soprando a madressilva podia ter “roçado a fronte” de seu Salvador...
Naquele momento em que ouvia os comerciantes de pão ázimo anunciarem seus produtos e que, em paragens não muito distantes dali, mulheres atiravam grãos às pombas, Nosso Senhor podia estar caminhando com as mãos amarradas por grossas cordas e com a coroa de espinhos a Lhe ensanguentar o semblante... Provavelmente estivesse rodeado de truculentos soldados romanos...
(...)
Era só uma questão de
passar pela porta de cedro da sala de Gamaliel e de avançar pelo pátio onde o
moinho doméstico ainda funcionava e produzia, além da fina farinha, o gemido de
sua grande pedra.
Depois, já na rua,
poderia contemplar Nosso Senhor do mesmo modo que São João e São Mateus...
Poderia acompanhar a sua sombra projetada nos muros caiados... Aquele mesmos
muros projetariam a sombra dele, Teodorico!
(...)
Como
conter a emoção ao reconhecer as pegadas do Salvador na poeira das ruas?
O Raposo avaliou que
não teria outra reação além de atirar-se sobre elas para beijá-las... Seu
coração dispararia... Talvez tivesse de depositar as duas mãos sobre o peito
para apurar os ouvidos na intenção de ouvir algum “ai, soluço, queixa ou
promessa” que saísse da boca de Cristo.
Essa possibilidade
fez Teodorico pensar que testemunharia situações jamais relatadas nos
evangelhos... E, assim sendo, só ele teria autoridade e “direito pontifical” de
as anunciar. Como “testemunha inédita da Paixão” poderia tornar-se “São
Teodorico Evangelista”.
Foi por isso que ele
se apressou a perguntar onde poderia ver Jesus de Nazaré. Sua aflição espantou
os que estavam presentes na sala.
(...)
E foi também neste
momento que um escravo entrou, atirou-se aos pés de Gamaliel, beijou as franjas
de sua túnica e informou que o Rabi estava no Pretório.
Gade foi o primeiro a movimentar-se... Levantou-se da posição que até
então mantinha enquanto orava e saiu às carreiras. Depois foi Topsius que
movimentou-se agitando a formosa capa branca... O alemão agradeceu a
hospitalidade de Gamaliel (comparou-a à de Abraão) e anunciou ao companheiro
português que deviam se encaminhar ao Pretório.
(...)
Teodorico seguiu o sábio alemão pela Jerusalém antiga...
Sentiu que jamais alcançariam o tal Pretório...
Observou o tumulto das ruas e percebeu que o próprio pensamento também estava
tumultuado.
Ainda assim conseguiu
registrar certas localidades, como o jardim de rosas guardado por dois levitas
armados de lanças douradas... Calculou que o ambiente era antigo, talvez datasse
do tempo dos profetas.
Depois passaram por uma rua com muitas lojas onde perfumistas exerciam
seu ofício. A fragrância que exalava de cada uma delas misturava-se ao perfume
da erva-doce que se desprendia do chão...
Alguns
tipos jovens que vestiam túnicas de seda dourada e da cor de cereja
acomodavam-se preguiçosamente às sombras daquele percurso. Eles tinham cabelos
cacheados, os olhos pintados e os dedos carregados de anéis.
De fato, uma “rua indolente”...
Depois dela havia a
praça empoeirada e ensolarada. No centro dela estava uma alta palmeira que, devido
à falta de ventos, permanecia estática... Ao fundo estava o antigo palácio de
Herodes, conhecido por suas colunas de granito.
(...)
Era
nesse palácio que ficava o Pretório...
Dois legionários da Síria guardavam a passagem do grande arco de
entrada...
A
um canto viam-se várias mulheres que tinham rosas como adereços às suas
orelhas. Elas anunciavam os pães ázimos
que haviam trazido para vender.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_19.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto