segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – Teodorico considera a possibilidade de testemunhar os episódios da Paixão e registrá-los tal como os evangelistas; a caminho do Pretório; uma “rua indolente”, a praça e o velho palácio de Herodes

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_76.html antes de ler esta postagem:

Então é isso...
De um momento para outro Teodorico passou a considerar a possibilidade de “ver Jesus”, Sua túnica, Seus gestos e olhos... E mais do que isso, poderia ouvi-Lo e observar ao redor o que ocorria no instante mesmo em que falava.
Foi incrível reconhecer que a mesma brisa que estava soprando a madressilva podia ter “roçado a fronte” de seu Salvador...
Naquele momento em que ouvia os comerciantes de pão ázimo anunciarem seus produtos e que, em paragens não muito distantes dali, mulheres atiravam grãos às pombas, Nosso Senhor podia estar caminhando com as mãos amarradas por grossas cordas e com a coroa de espinhos a Lhe ensanguentar o semblante... Provavelmente estivesse rodeado de truculentos soldados romanos...
(...)
Era só uma questão de passar pela porta de cedro da sala de Gamaliel e de avançar pelo pátio onde o moinho doméstico ainda funcionava e produzia, além da fina farinha, o gemido de sua grande pedra.
Depois, já na rua, poderia contemplar Nosso Senhor do mesmo modo que São João e São Mateus... Poderia acompanhar a sua sombra projetada nos muros caiados... Aquele mesmos muros projetariam a sombra dele, Teodorico!
(...)
Como conter a emoção ao reconhecer as pegadas do Salvador na poeira das ruas?
O Raposo avaliou que não teria outra reação além de atirar-se sobre elas para beijá-las... Seu coração dispararia... Talvez tivesse de depositar as duas mãos sobre o peito para apurar os ouvidos na intenção de ouvir algum “ai, soluço, queixa ou promessa” que saísse da boca de Cristo.
Essa possibilidade fez Teodorico pensar que testemunharia situações jamais relatadas nos evangelhos... E, assim sendo, só ele teria autoridade e “direito pontifical” de as anunciar. Como “testemunha inédita da Paixão” poderia tornar-se “São Teodorico Evangelista”.
Foi por isso que ele se apressou a perguntar onde poderia ver Jesus de Nazaré. Sua aflição espantou os que estavam presentes na sala.
(...)
E foi também neste momento que um escravo entrou, atirou-se aos pés de Gamaliel, beijou as franjas de sua túnica e informou que o Rabi estava no Pretório.
Gade foi o primeiro a movimentar-se... Levantou-se da posição que até então mantinha enquanto orava e saiu às carreiras. Depois foi Topsius que movimentou-se agitando a formosa capa branca... O alemão agradeceu a hospitalidade de Gamaliel (comparou-a à de Abraão) e anunciou ao companheiro português que deviam se encaminhar ao Pretório.
(...)
Teodorico seguiu o sábio alemão pela Jerusalém antiga...
Sentiu que jamais alcançariam o tal Pretório... Observou o tumulto das ruas e percebeu que o próprio pensamento também estava tumultuado.
Ainda assim conseguiu registrar certas localidades, como o jardim de rosas guardado por dois levitas armados de lanças douradas... Calculou que o ambiente era antigo, talvez datasse do tempo dos profetas.
Depois passaram por uma rua com muitas lojas onde perfumistas exerciam seu ofício. A fragrância que exalava de cada uma delas misturava-se ao perfume da erva-doce que se desprendia do chão...
Alguns tipos jovens que vestiam túnicas de seda dourada e da cor de cereja acomodavam-se preguiçosamente às sombras daquele percurso. Eles tinham cabelos cacheados, os olhos pintados e os dedos carregados de anéis.
De fato, uma “rua indolente”...
Depois dela havia a praça empoeirada e ensolarada. No centro dela estava uma alta palmeira que, devido à falta de ventos, permanecia estática... Ao fundo estava o antigo palácio de Herodes, conhecido por suas colunas de granito.
(...)
Era nesse palácio que ficava o Pretório...
Dois legionários da Síria guardavam a passagem do grande arco de entrada...
A um canto viam-se várias mulheres que tinham rosas como adereços às suas orelhas. Elas anunciavam os pães ázimos que haviam trazido para vender.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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