quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – Osânias faz ponderações à opção da luta armada contra o poderio romano, cita as crucificações ao tempo da rebelião liderada por Judas de Gamala e as vantagens de se obter um acordo com os conquistadores; críticas às agitações provocadas pelo Rabi da Galileia; da necessidade de se eliminar o Rabi e manter a ordem para não perder antigos privilégios

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_14.html antes de ler esta postagem:

Estamos neste ponto em que Manassés havia acabado de falar sobre o que pensava do Rabi aprisionado. Empunhando sua espada, fez duras críticas ao tipo de mensagem que Ele propagava e deixou claro que o caminho da libertação do povo passava pela rebelião armada contra os romanos.
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Osânias levantou-se apoiado em seu bastão... Com serenidade passou a dizer que as leis locais eram mesmo suaves... O Rabi podia ser entendido como um visionário que proferia bravatas, dizendo-se Messias e Filho de Deus, ameaçando destruir a lei e o templo... Ele bem devia saber dos companheiros de Judas de Gamala condenados à morte na cruz... Pelo visto pensava bem diferente, pois parecia apelar para a prudência e, talvez, para a malícia no trato com os romanos...
O velho dirigiu-se diretamente a Manassés... Sim, de fato ele era forte e sabia manejar a espada. Mas salientou que sozinho pouco podia. Advertiu que os rebeldes costumam se encher de confiança quando estão unidos aos companheiros de causa. Mas seria preciso levar em consideração o potencial bélico das legiões romanas... Lembrou que elas ficaram famosas por marcharem sobre as cidades gregas e por avançar sobre Judá.
Osânias fez referências a Judas Macabeu, que entrou em acordo com Roma... Apenas os insensatos levantaram-se contra o seu poder... Os prudentes recuam diante do avanço do império.
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As palavras do velho continham muitas outras advertências. Ele lembrou que os romanos foram implacáveis contra a Galácia (região da Turquia que ficou conhecida por sua resistência ao domínio romano), que teve destruídos exércitos e incontáveis equipamentos de guerra. Restou apenas a sua condição de terra dominada, tributos a serem pagos e escravidão...
Depois de toda essa falação, Osânias curvou-se... Retomou seu raciocínio com um discurso mais ameno, todavia seus olhos mantinham um brilho agressivo. Disse que o Rabi da Galileia devia ser morto... E justificou dizendo que todo aquele que tem posses deve conter o quanto antes “a fagulha que ameaça inflamar-lhe a colheita”. Disse que todos deviam saber que o Rabi da Galileia era perigoso para Israel na medida em que se proclamava Messias. Isso levava os militares romanos a uma condição de permanente tensão. Não era porque não compreendiam o “reino do céu” que Ele prometia, mas porque percebiam o quanto Suas palavras exaltavam as pessoas, sobretudo no templo.
As autoridades romanas não viam com bons olhos o templo, “seu ouro, multidões e todo aquele zelo”... Entendiam que a autoridade imperial se enfraquecia por causa da importância que os súditos locais davam ao santuário... Osânias passou a explicar seus temores esclarecendo que a estratégia mais lógica dos imperialistas seria a de anular a “força do templo”... Provavelmente fariam de tudo para empobrecê-lo e tirariam os privilégios dos sacerdotes.
Para ilustrar seu raciocínio, citou que as “vestes pontificais” já vinham sendo guardadas na Torre Antônia... Isso era uma humilhação! Do modo como as coisas se encaminhavam, não demorariam a retirar o candelabro e outras peças de ouro do templo.
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O discurso de Osânias estava carregado de argumentos que justificavam seus temores. Ele explicou que certas ofertas recebidas pelo templo (esse era o caso do Corbã) já vinham sendo confiscadas pelo pretor... Do modo como a situação vinha se degradando, podiam esperar que também os dízimos, tributos rituais e dinheiro de oferendas lhes fossem tomados... Tudo passaria a pertencer aos romanos!
O que seria dos sacerdotes, membros do Sanedrim (como ele), seus familiares e agregados? O cenário que se avizinhava era dos piores... A eles restaria a mendicância nas estradas de Samaria...
Ele tinha a receita para se evitar aquela calamidade... As lideranças religiosas de Israel deviam mostrar ao poder imperial que pretendiam um templo sem agitações, “policiado, submisso, contente, sem fervores e sem Messias”... Ele não tinha dúvida de que esse procedimento conservaria as honras e tesouros que a antiga lei lhes reservava.
Por tudo isso, Osânias sentenciou que o Rabi tinha de morrer.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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