Estamos neste ponto em que Manassés havia acabado de falar sobre o que pensava do Rabi aprisionado. Empunhando sua espada, fez duras críticas ao tipo de mensagem que Ele propagava e deixou claro que o caminho da libertação do povo passava pela rebelião armada contra os romanos.
(...)
Osânias levantou-se
apoiado em seu bastão... Com serenidade passou a dizer que as leis locais eram
mesmo suaves... O Rabi podia ser entendido como um visionário que proferia
bravatas, dizendo-se Messias e Filho de Deus, ameaçando destruir a lei e o templo...
Ele bem devia saber dos companheiros de Judas de Gamala condenados à morte na
cruz... Pelo visto pensava bem diferente, pois parecia apelar para a prudência
e, talvez, para a malícia no trato com os romanos...
O velho dirigiu-se diretamente a Manassés... Sim, de fato ele era forte
e sabia manejar a espada. Mas salientou que sozinho pouco podia. Advertiu que
os rebeldes costumam se encher de confiança quando estão unidos aos
companheiros de causa. Mas seria preciso levar em consideração o potencial
bélico das legiões romanas... Lembrou que elas ficaram famosas por marcharem
sobre as cidades gregas e por avançar sobre Judá.
Osânias
fez referências a Judas Macabeu, que entrou em acordo com Roma... Apenas os
insensatos levantaram-se contra o seu poder... Os prudentes recuam diante do
avanço do império.
(...)
As palavras do velho continham
muitas outras advertências. Ele lembrou que os romanos foram implacáveis contra
a Galácia (região da Turquia que ficou conhecida por sua resistência ao domínio
romano), que teve destruídos exércitos e incontáveis equipamentos de guerra. Restou
apenas a sua condição de terra dominada, tributos a serem pagos e escravidão...
Depois de toda essa
falação, Osânias curvou-se... Retomou seu raciocínio com um discurso mais
ameno, todavia seus olhos mantinham um brilho agressivo. Disse que o Rabi da Galileia
devia ser morto... E justificou dizendo que todo aquele que tem posses deve
conter o quanto antes “a fagulha que ameaça inflamar-lhe a colheita”. Disse que
todos deviam saber que o Rabi da Galileia era perigoso para Israel na medida em
que se proclamava Messias. Isso levava os militares romanos a uma condição de
permanente tensão. Não era porque não compreendiam o “reino do céu” que Ele
prometia, mas porque percebiam o quanto Suas palavras exaltavam as pessoas,
sobretudo no templo.
As
autoridades romanas não viam com bons olhos o templo, “seu ouro, multidões e
todo aquele zelo”... Entendiam que a autoridade imperial se enfraquecia por
causa da importância que os súditos locais davam ao santuário... Osânias passou
a explicar seus temores esclarecendo que a estratégia mais lógica dos
imperialistas seria a de anular a “força do templo”... Provavelmente fariam de
tudo para empobrecê-lo e tirariam os privilégios dos sacerdotes.
Para ilustrar seu
raciocínio, citou que as “vestes pontificais” já vinham sendo guardadas na
Torre Antônia... Isso era uma humilhação! Do modo como as coisas se
encaminhavam, não demorariam a retirar o candelabro e outras peças de ouro do
templo.
(...)
O discurso de Osânias
estava carregado de argumentos que justificavam seus temores. Ele explicou que
certas ofertas recebidas pelo templo (esse era o caso do Corbã) já vinham sendo
confiscadas pelo pretor... Do modo como a situação vinha se degradando, podiam
esperar que também os dízimos, tributos rituais e dinheiro de oferendas lhes
fossem tomados... Tudo passaria a pertencer aos romanos!
O que seria dos
sacerdotes, membros do Sanedrim (como ele), seus familiares e agregados? O
cenário que se avizinhava era dos piores... A eles restaria a mendicância nas
estradas de Samaria...
Ele tinha a receita para se evitar aquela calamidade... As lideranças
religiosas de Israel deviam mostrar ao poder imperial que pretendiam um templo
sem agitações, “policiado, submisso, contente, sem fervores e sem Messias”...
Ele não tinha dúvida de que esse procedimento conservaria as honras e tesouros
que a antiga lei lhes reservava.
Por
tudo isso, Osânias sentenciou que o Rabi tinha de morrer.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_76.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto