Mas é claro que trata-se de um sonho! Do longo sonho de Teodorico.
Como se pode depreender, ele prosseguiu na espetacular jornada rumo a Jerusalém reconhecendo que algumas circunstâncias pareciam anacrônicas... Mas não o vemos problematizar sistematicamente.
Aquelas terras bíblicas haviam “parado no tempo”? Ele e o douto Topsius voltaram ao passado?
(...)
O
homem que chegou agitado ao acampamento conclamando galileus e peregrinos de
Neftali mostrava-se indignado com a prisão do Rabi Jeschoua...
No mesmo instante Topsius
entendeu perfeitamente e, sem entrar em detalhes, chamou a atenção do
companheiro Teodorico. Aquele era um evento extraordinário.
Os
dois estavam vivenciando os episódios da Paixão de Cristo!
O sábio alemão sabia
que Jeschoua era Jesus. Ele já havia sido conduzido ao Sinédrio...
Muito ainda estava
por ocorrer e ele queria presenciar os fatos.
(...)
Topsius explicou que
deviam seguir imediatamente à casa de certo Gamaliel. Assim, no momento mesmo
em que o sol já estava bem alto, os dois passaram “pela porta do Pescado” e
avançaram por uma antiga rua íngreme de Jerusalém.
As habitações do
lugar eram muito simples... Todas tinham tijolinhos à vista. Suas portas
estavam travadas de modo rudimentar e nas janelas viam-se frutos e palmas que
lembravam a época da Páscoa. Numa ou noutra havia mulheres ajeitando a frente
do lar.
Durante a tortuosa
subida, Teodorico pôde observar os traços de um egípcio que caminhava quase que
ao seu lado... O tipo carregava uma harpa às costas e tinha uma pluma de cor
escarlate enfeitando a peruca... Na altura da cintura ele levava um tecido
branco, e nos braços várias bijuterias.
Topsius quis saber do egípcio se ele vinha de Alexandria e se as
“cantigas da batalha de Ácio” ainda eram entoadas nas diversas tabernas do
Eunotos... O tipo sorriu e deu a entender que iniciaria uma cantiga, então os
dois estrangeiros fizeram as éguas trotarem mais ligeiramente.
(...)
Mais à frente, umas senhoras com seus véus amarelos e suas pombas de
oferenda ao templo se assustaram com a passagem dos dois apressados cavaleiros.
Das casinhas vinha um cheiro de comida sendo
preparada em fogões rudimentares. Teodorico
notou mesmo umas armações com caçarolas... Prevalecia o “cheiro acre de
alho”.
Crianças brincavam
nuas e raspavam abóboras cruas em meio à poeira. As pobrezinhas não conseguiam
se livrar de moscas que orbitavam suas cabeças... Elas estavam esfomeadas e
tinham a barriga cheia de vermes.
Alguns pastores aguardavam diante de uma oficina de ferreiro. Do outro
lado estava um negro anunciando bolos de centeio com formatos obscenos. Na
sequência passaram por uma praça que estava sendo reformada... Diante dela havia
uma casa de banhos no melhor estilo romano. Escravos nus percorriam os pátios
conduzindo as essências reclamadas pelos banhistas. O aroma naquele trecho era
mesmo de calor e perfume... Na entrada reservada às mulheres encontrava-se uma
figura feminina de face arredondada e lábios grossos. Teodorico encheu-se de
encantamento ao notar sua “nudez babilônica”.
Aos pés dessa
“sacerdotisa misteriosa” de pesada maquiagem estava posicionada uma escrava
negra que manipulava um grande leque... De acordo com Teodorico, a bela figura
“lasciva e pontifical” lembrava os rituais de Astarté e de Adônis.
O
português tanto se encantou que comentou com Topsius que desejava dirigir-se
aos banhos... Mas o alemão foi severo ao dizer que Gamaliel, “filho de Simeão”,
os aguardava... E emendou que, para aquele que os receberia, “mulher é o
caminho da iniquidade”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_67.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto