Os animais trotaram sobre as lajes de uma viela deprimente... Tanto barulho fizeram que mendigos escondidos em nichos escuros vociferaram impropérios... Seus cães também latiram com ferocidade contra os estrangeiros.
Topsius e Teodorico prosseguiram até a velha muralha de Ezequiá... Num trecho em que ela encontrava-se mais deteriorada saltaram e, conforme avançaram, passaram por uma antiga cisterna seca. Do alto de suas montarias avistaram apenas lagartos adormecidos.
Uma rua de considerável extensão os levou a passar por muros tingidos a cal... Das portas exalava o alcatrão. Na parte mais alta havia uma entrada em arco... Via-se “uma grande baixa de arame que a defendia dos escorpiões”.
Teodorico logo entendeu que aquela era a “entrada nobre” da casa de Gamaliel...
(...)
Os dois chegaram a um
grande pátio revestido de ladrilhos... No centro havia um limoeiro que fazia
sombra num tanque de águas claras. A construção ao redor era avarandada e estava
silenciosa. Via-se que o teto era de um azul brilhante. De alguns pontos da
área coberta pendiam tapetes assírios com bordados floridos.
Havia
um moinho doméstico num dos cantos. Um negro marcado por cicatrizes diversas
fazia girar a grande pedra. Este tipo calçava ferraduras e puxava as cordas da
barra do mecanismo tal como os animais utilizados em tais funções.
Numa das portas
apareceu outro tipo que segurava uma vara de marfim. Este se destacava pela obesidade
e pelo rosto escanhoado... Vestia uma túnica amarelada que até se confundia com
sua pele... Tinha as pálpebras caídas que pouco permitiam que se notassem seus
olhos.
Topsius foi logo desmontando...
No mesmo momento perguntou ao criado sobre o amo da casa... O tipo disse que
eles podiam entrar... Teodorico notou que sua fina voz lembrava o silvo de uma
cobra.
Subiram uma rica
escadaria com patamares de granito escuro... Chegaram a um recinto onde dois
candelabros em bronze lembravam troncos desfolhados. Diante dessas peças estava
Gamaliel.
(...)
A respeito desse
conhecido de Topsius, pode-se dizer que era bem alto e magro... Tinha uma barba
solta que descia ao peito, mas bem tratada e perfumada.
Gamaliel estava com um turbante branco ornamentado de fios de pérolas. Ele
tinha um pergaminho que parecia enfaixar a testa. A tira continha textos
sagrados e logo se via que ele era um religioso sério e convicto.
Sua túnica azul era longa e chegava mesmo a cobrir-lhe as sandálias. Outros
fragmentos de pergaminho contento textos sagrados estavam costurados na altura de
sua manga.
Topsius o saudou à moda egípcia, fazendo descer
a mão à altura dos joelhos... Gamaliel abriu os braços e respondeu que deviam
entrar, pois eram bem-vindos. Disse-lhes que podiam se alimentar e regozijar.
(...)
Os dois estrangeiros
seguiram o dono da casa até uma sala onde havia outros três homens.
Um deles estava à janela e virou-se para recebê-los. Teodorico afirma
que o tipo era de uma beleza singular... Tinha cabeleira castanha bem cuidada
que envolvia o “pescoço forte, macio e branco como um mármore coríntio”. Na altura
da cintura, sua túnica era ornamentada por uma faixa com pedrarias. Ela
sustentava uma bela espada com empunhadura em ouro.
Outro
era um que estava acomodado no divã. Ele era claro, calvo e gordo... Prendia
duas almofadas debaixo dos braços... Nem se pode dizer que tivesse feito algum
gesto de acolhida aos recém-chegados.
Todavia Topsius sabia
bem quem era aquele... Não foi por acaso que só faltou beijar-lhe os sapatos de
couro amarelo e amarrados com fios de ouro. Tratava-se do venerando Osânias, “da
família pontifical de Beotos, ainda do sangue real de Aristóbolo”.
O
terceiro era um que nem chegou a notar a entrada dos viajantes. O tipo estava
acomodado num canto onde, agachado, fechava o próprio rosto no capuz de sua
túnica de linho claro... Parecia compenetrado e em profunda oração. Em raros
momentos ele se movimentava para limpar as mãos numa toalha branca e de fino
pano. A grossa corda que trazia amarrada à cintura fez Teodorico o comparar aos
monges ascetas.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/12/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_10.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto