sábado, 28 de outubro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – uma agradável surpresa; a caminho do Santo Sepulcro, Pote conta o que sabe da senhorita Ruby e de seu pai negociante de curtume; Teodorico planeja aventuras amorosas com a beldade escocesa; vendilhões pela Via Dolorosa e na igreja

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_28.html antes de ler esta postagem:

A visita ao Santo Sepulcro havia sido acertada para depois do jantar...
Teodorico foi ao quarto para colocar o chapéu alto. Como sabemos, prometera à tia Patrocínio que usaria trajes respeitáveis nas ocasiões em que passasse pelos locais sagrados.
Aconteceu que quando chegou ao corredor viu que a formosa Cibele estava abrindo uma porta vizinha à de seu quarto... Ela trajava uma capa cinza com um gorro do qual pendiam duas penas de gaivota. No mesmo instante ele concluiu que, se aquele quarto era vizinho ao seu, a doce voz que cantarolava a “Balada do rei de Tule” só podia ser a da bela jovem.
E mais... Sua cama estava bem próxima da dela! Apenas o fino tabique as separavam!
Vestiu-se o mais rápido possível... Entendeu que tinham de seguir imediatamente ao Santo Sepulcro porque, com toda certeza, a encontraria lá. Pensava sobre isso ao mesmo tempo em que planejava um buraco por onde pudesse espiá-la. Estava mesmo ansioso por isso.
(...)
Andavam pela Via Dolorosa...
A chuva provocava enxurradas e poças onde os peregrinos atolavam os pés. Teodorico chamou o guia Pote e os dois partilharam do mesmo guarda-chuva... O português quis saber se o rapaz tinha observado a bela de cabelos castanhos e que trazia sardas no rosto... O guia já a tinha visto e podia dizer que admirou-se com sua formosura.
Pote informou que Ibraim, o guia do “barbaças”, era seu compadre. Ele lhe dissera que o tipo era da Escócia e que se tratava de um negociante de curtumes. Assim que ficou sabendo, Teodorico dirigiu-se ao Topsius para contar-lhe a novidade... O tipo não era nobre coisa nenhuma! Em se tratando de “dignidade”, o Raposo garantiu que era fera... Não teria a menor dificuldade se tivesse de travar luta com ele!
A jovem que o acompanhava era filha do negociante escocês... Ela se chamava Ruby, apreciava cavalos e era boa de tiro... Pote acrescentou que pai e filha estiveram na alta Galileia, onde a jovem matou uma águia negra.
(...)
O prestativo Pote colocava Teodorico a par daquelas informações, mas não se esquecia de seu papel de guia.
É por isso que alguns passos mais adiante anunciou que estavam diante da casa de Pilatos... Mas o português queria mais informações a respeito da moça que passaria a noite no quarto vizinho ao seu... Exigiu que o guia falasse mais sobre as informações que Ibraim havia lhe contado.
(...)
Passavam por um trecho da Via Dolorosa em que a passagem se estreitava... Havia uma cobertura e os romeiros sentiam-se como que numa catacumba. Mendigos roíam restos de comida... Teodorico lembra em seus registros que um cão uivou no momento em que Pote explicou que o compadre Ibraim lhe dissera que vira a senhorita Ruby enamorada pelos sírios... Ela permanecia à porta da tenda durante a noite... Recitava versos e contemplava as estrelas enquanto o pai bebia cerveja.
(...)
Teodorico ouviu com atenção e concluiu que não podia descartar a possibilidade de uma aventura com a bela Ruby...
Pote anunciou o Santo Sepulcro...
Chegaram ao adro... O piso apresentava lajes descoladas... A velha igreja possuía duas portas, mas uma estava vedada a pedra e cal. A outra porta estava “timidamente aberta”.
Na parte interna, os visitantes observaram duas construções bem debilitadas... Uma era utilizada pelos que seguiam os rituais gregos. A outra era para os de rito latino.
Teodorico resolveu calçar as luvas pretas... No mesmo instante foi cercado por vários tipos loquazes que ofereciam “relíquias, rosários, cruzes, escapulários, bocadinhos de tábuas aplainadas por São José, medalhas, bentinhos, frasquinhos de água do Jordão, círios, agnus dei (medalhinhas), litografias da Paixão, flores de papel feitas em Nazaré, pedras benzidas, caroços de azeitona do Monte Olivete, e túnicas como ‘usava a Virgem Maria!’"
O rapaz lembrou-se que a tia havia recomendado que passasse à porta do Sepulcro arrastando-se, num gesto de humilde penitência... Devia gemer e rezar a coroa.
Todavia o assédio dos vendilhões era tal que Teodorico só conseguiu passar depois que esmurrou um tipo que trajava panos de eremita.
Visivelmente esfomeado, o homem agarrou a capa do português ao mesmo tempo em que lhe oferecia piteiras feitas dos pedaços da arca de Noé.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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