Topsius contratou um guia...
Paulo Pote... Um tipo jovem de pele morena que conservava um longo bigode, vestia jaqueta e calçava botas brancas para montaria. Via-se que carregava duas pistolas e que protegia a cabeça com um lenço amarelo de seda.
Sobre este Paulo Pote, Teodorico registrou que se tratava de um camarada montenegrino alegre... Havia alegria em todos os seus gestos. Ele conhecia todas as paragens que interessavam aos romeiros. Desde Áscalon a Damasco, do Carmelo à Engada, na costa oeste do Mar Morto... O rapaz era conhecido como o Alegre Pote.
O primeiro contato foi de muito boa impressão. Pote ofereceu tabaco perfumado e o Raposo aprovou... Topsius logo se encantou com o conhecimento bíblico manifestado pelo guia. Assim, os recém-chegados sentiram-se muito bem na companhia do competente rapaz. Ele os conduziu ao Hotel Josafate.
Enquanto preencheram os registros, se fartaram da cerveja local.
(...)
Pote organizou a saída para
Jerusalém...
Seguiram em belas
montarias. Uma delas foi destinada ao transporte das bagagens. Teodorico cuidou
do pacote de papel pardo, escondendo-o num alforje...
Além do guia, um velho
beduíno acompanhou-os servindo de escolta. Ele carregava uma lança antiga e
tinha um albarnoz (manto de lã com capuz). A indumentária do velho árabe era de
lã de camelo..
Logo que Topsius se
acomodou em sua sela, Pote estalou o chicote e gritou “Avante, a Jerusalém;
Deus o quer!” lembrando o antigo grito dos cruzados “e de Ricardo
Coração-de-Leão. Saíram de Jafa no momento em que o “Hospício” dos Padres
Latinos tocava o sino para as vésperas. Passaram pela porta do mercado e
rumaram para a “Cidade do Senhor”.
Eça de Queiroz
descreveu o trajeto com tantos detalhes que quase conseguimos “visualizar as
paisagens”.
(...)
A estrada os conduziu por “jardins, hortas, pomares, laranjais,
palmeirais, terra de promissão resplandecente e amável”... A atmosfera era de
um encanto maravilhoso. O perfume das flores, o canto dos pássaros e o “cantar
das águas” levaram Teodorico a pensar que Deus havia sido generoso com o povo
escolhido.
A tarde avançou... Então a caravana parou junto a uma fonte. No local
protegido por um sicômoro (uma figueira), havia uma estrutura de mármore.
Entraram numa tenda ocupada por um árabe que os saudou em nome de Alá. O homem
tinha a dignidade de um patriarca... Sobre um tapete estavam dispostos cachos
de uvas e recipientes (malgas) com leite.
Beberam da cerveja. Teodorico achou-a amarga e
sentiu sede. Uma jovem apareceu com um cântaro e serviu de sua água aos
visitantes. O português não pôde deixar de notar a nudez da moça, que trazia os
seios nus e argolas de ouro nas orelhas. Um cordeirinho branco que estava
amarrado à ponta de sua túnica a seguia para toda parte.
(...)
Para o Raposo, a cena
parecia remontar aos tempos bíblicos mais remotos... Essa sua sensação cresceu
conforme avançaram pela planície de Sáron. Ele esclareceu em seus registros que
a região é reconhecida pelos entendidos nos livros do Antigo Testamento (“Cântico
dos Cânticos”)... Nos tempos do rei Salomão, o vale era fértil e florido.
Um pastor de cabras de pelagem preta arrebanhava seus animais conforme a
tarde se tornava mais escura. Os chocalhos e a nudez do árabe (que lembrava um
“São João” do deserto) chamaram a atenção dos estrangeiros.
O mais eram os distantes os
montes da Judeia, o Mar de Tiro e a noite que se aproximava.
Prosseguiram durante a
escuridão... Permaneceram firmes na direção de Jerusalém...
No
céu, duas estrelas de brilho diferenciado pareciam guiá-los.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_27.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto