Durante os passeios das tardes por Alexandria observavam os barcos no Nilo e, ao longo de suas margens, ruínas de templos.
Conforme o sol baixava, o casal acomodava-se no gramado... O sábio Topsius declamava versos de Goethe.
(...)
Depois seguiam para o
Hotel das Pirâmides para jantar. Após a refeição permaneciam por um tempo a
ouvir as palavras eruditas do alemão. Suas narrativas revelavam um passado
interessante de Alexandria... Havia muitos palácios com maravilhosos jardins às
margens do canal que comunicava a cidade à Canópia (Canopo). Embarcações
cobertas com toldos de seda deslizavam sobre as águas e os que as observavam
podiam ouvir o som dos alaúdes que tornavam as viagens mais agradáveis.
Teodorico e a sua Maricoquinhas gostavam de ouvir o sábio falar a
respeito dos sacerdotes ornamentados com peles de leopardo... Esses religiosos dançavam
junto aos laranjais em honra de Osíris. Topsius comentava sobre as damas que,
em seus terraços, “bebiam à Vênus Assíria” fazendo cálices das flores de lótus.
Os
filósofos que viviam em Alexandria ou frequentavam a grande cidade eram
devassos... O alemão garantia que na localidade havia apenas uma mulher
honesta, e essa era uma tia de Sêneca, conhecida por declamar Homero.
(...)
Maricoquinhas ficava
admirada com tanta informação... Imaginava o quanto seria interessante viver
num lugar onde havia apenas uma mulher honesta... Não seria encantador navegar
em barcas cobertas de seda? Ela queria saber...
Enciumado,
Teodorico a interrompia e perguntava onde ele entrava naquela imaginação. No
mesmo instante ela o tranquilizava garantindo que sem o seu “portuguesinho
valente” não teria gosto nem mesmo de “habitar o céu”. Feliz da vida por ouvir
o mimo, o rapaz pedia as bebidas mais finas...
(...)
Os dias se passaram do
modo mais satisfatório... Teodorico não imaginava que experimentasse momentos
tão agradáveis, e é por isso que nem se lembrava que estava em Alexandria
apenas de passagem.
Na véspera de sua
partida, Alpedrinha sugeriu que o melhor para ele seria permanecer e continuar a
existência de prazeres e ócio. Mas o que o Raposo podia fazer? Não tinha como
deixar de cumprir as ordens da tia Patrocínio... Desejava herdar sua fortuna e
por isso devia submeter-se à romagem... Visitaria Jerusalém, seus joelhos se
dobrariam sob as oliveiras secas e rezaria um cem número de vezes diante de
sepulcros e templos da cristandade.
Melancólico,
Teodorico perguntou ao Alpedrinha se ele estivera em Jerusalém alguma vez... O
patrício não conhecia a Terra Santa, mas podia afirmar que a localidade era
“pior do que Braga”.
(...)
Era inevitável... O
momento da despedida estava se aproximando.
À noite, Maricocas permaneceu em silêncio... Eventualmente soltava um
suspiro enquanto jantavam. O vinho não os animava. Topsius tentava consolá-la
dizendo-lhe que o Raposo haveria de retornar.
A jovem continuou muda... O alemão insistiu que depois da viagem à terra
síria certamente a chama no coração de Teodorico se tornaria ainda mais fogosa,
pois aquelas eram paragens “da Vênus e da esposa dos Cantares”...
O
português procurou reforçar a ideia do companheiro dizendo que, de fato,
percorreria lugares sagrados e que rezaria “uns padre-nossos ao Calvário”. Isso
o revigoraria! Finalizou dizendo que voltaria como um touro...
(...)
Depois do jantar tomaram café...
O
casal retirou-se para a varanda, onde contemplaram em silêncio a noite egípcia
e suas estrelas... Teodorico olhou os terraços da vizinhança e notou que outros
viventes em suas vestes brancas também dedicavam uns instantes para admirar o
céu.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_21.html
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto