terça-feira, 3 de outubro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – juntando preces para que Adélia reconsiderasse seu caso com Teodorico; reconciliação difícil; Rinchão e suas aventuras em Paris; a angústia de Teodorico é também por sua falta de autonomia; a capital francesa era a negação de tudo o que Titi pensava de um ambiente sadio

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/09/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_72.html antes de ler esta postagem:

Teodorico apelou para os santos... Talvez umas preces bem feitas pudessem reverter sua situação com Adélia.
Quem sabe? Vivia participando de tantas novenas e outros rituais católicos!
No próprio quarto decidiu que a imagem de Nossa Senhora do Patrocínio merecia  mais flores... Era a ela que, antes de se deitar, fazia os desabafos de seu coração amargurado.
E por que não recorrer também à tia Patrocínio? Amiga de todos os santos, e beata exemplar, certamente poderia contribuir com suas orações fortes. Por isso Teodorico pediu-lhe que orasse por ele. Que se dirigisse a São José e a São Luís Gonzaga, tão bom para os jovens... Argumentou que era por uma certa necessidade “secreta e toda pura”.
O rapaz sentia grande alívio ao ver a tia Patrocínio ajoelhada e em súplicas pela sua “causa secreta”. Se desse certo, em breve teria Adélia e seus beijos de volta.
(...)
Depois de alguns dias, Teodorico arriscou aproximar-se da casa da amada... A noite apenas começava e considerou o momento propício para saber se tantas preces foram atendidas pelo menos em parte.
Bateu à porta e quem apareceu no alto foi o Adelino... Teodorico tirou o chapéu respeitosamente e disse que gostaria de falar com Adélia. O tipo virou-se e o anunciou à moça. Adélia vociferou que era melhor que atirasse o balde de água suja sobre o carola.
Notando que não teria a menor chance, Teodorico fugiu no mesmo instante.

(...)

Silvério (que era conhecido pelos colegas como Rinchão; aquele mesmo que havia apresentado Adélia ao Teodorico) retornou de Paris no fim do mês de setembro.
Certa noite de domingo, quando o Raposo voltava da novena de São Caetano, encontrou-o no Martinho... O tipo estava rodeado de camaradas. Todos o ouviam com atenção as suas narrativas sobre aventuras em Paris.
Teodorico não estava de astral bom. Tinha mesmo o semblante carregado, mas decidiu permanecer por alguns instantes para saber do que o outro falava tão animadamente.
Silvério atraía os olhares também porque estava bem elegante... O tipo exibia uma joia na gravata (uma ferradura de rubis), carregava uma rosa amarela no paletó e de seu monóculo pendia uma fita bem arranjada.
Ele estava dizendo que certa noite participou de ceia no Café de la Paix na companhia de certa Cora e de certa Valtesse, e que junto estava um tipo muito chic, na verdade se tratava de um príncipe.
O Rinchão fazia inveja quando anunciava aos demais que desfrutara da companhia de uma condessa italiana... A mulher era muito linda e, ainda por cima, era parente do papa e se chamava Popotte. Ela o levou aos campos Elíseos. Era demais! Teve um caso amoroso com essa extenuante mulher!
Muitas haviam sido suas aventuras... Conhecera restaurantes espetaculares onde os serviçais o chamavam de “Mr. Le Comte”... Ouviu belas vozes de belos corpos femininos... Civilização e prazer! Eis a síntese de sua visita à França.
Um dos que ouviam suas histórias quis saber e ele chegara a ver Vitor Hugo... O Rinchão deu a entender que o romancista não era dado às “rodas chics”.
(...)
Na semana seguinte, Teodorico não conseguiu se livrar da tentação de conhecer Paris... O fato é que nem se sentia atraído pelos prazeres narrados pelo Silvério. Mais que isso, sentia-se cansado dos ares de Lisboa, suas igrejas, lojas e tudo o mais que o levava a pensar em Adélia.
Sua falta de autonomia o angustiava demais... Evidentemente sua condição o impedia de partir para qualquer lugar que fosse... Só mesmo se a tia Patrocínio resolvesse “abrir sua bolsa de seda verde” e lhe oferecesse a oportunidade para extrair dela parte de seu ouro.
Algo improvável... Ainda mais que, para a beata, Paris era lugar de pecado, mentiras e gula... Os franceses não eram confiáveis porque não respeitavam os princípios da religião e viviam nas “relaxações”. Pelo menos por enquanto, Teodorico tinha certeza de que não cogitaria visitar aquele “antro” diante dela.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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