Teodorico apelou para os santos... Talvez umas preces bem feitas pudessem reverter sua situação com Adélia.
Quem sabe? Vivia participando de tantas novenas e outros rituais católicos!
No próprio quarto decidiu que a imagem de Nossa Senhora do Patrocínio merecia mais flores... Era a ela que, antes de se deitar, fazia os desabafos de seu coração amargurado.
E por que não recorrer também à tia Patrocínio? Amiga de todos os santos, e beata exemplar, certamente poderia contribuir com suas orações fortes. Por isso Teodorico pediu-lhe que orasse por ele. Que se dirigisse a São José e a São Luís Gonzaga, tão bom para os jovens... Argumentou que era por uma certa necessidade “secreta e toda pura”.
O rapaz sentia grande alívio ao ver a tia Patrocínio ajoelhada e em súplicas pela sua “causa secreta”. Se desse certo, em breve teria Adélia e seus beijos de volta.
(...)
Depois
de alguns dias, Teodorico arriscou aproximar-se da casa da amada... A noite
apenas começava e considerou o momento propício para saber se tantas preces
foram atendidas pelo menos em parte.
Bateu à porta e quem
apareceu no alto foi o Adelino... Teodorico tirou o chapéu respeitosamente e
disse que gostaria de falar com Adélia. O tipo virou-se e o anunciou à moça.
Adélia vociferou que era melhor que atirasse o balde de água suja sobre o
carola.
Notando que não teria
a menor chance, Teodorico fugiu no mesmo instante.
(...)
Silvério (que era
conhecido pelos colegas como Rinchão; aquele mesmo que havia apresentado Adélia
ao Teodorico) retornou de Paris no fim do mês de setembro.
Certa noite de
domingo, quando o Raposo voltava da novena de São Caetano, encontrou-o no
Martinho... O tipo estava rodeado de camaradas. Todos o ouviam com atenção as
suas narrativas sobre aventuras em Paris.
Teodorico não estava de astral bom. Tinha mesmo o semblante carregado,
mas decidiu permanecer por alguns instantes para saber do que o outro falava
tão animadamente.
Silvério
atraía os olhares também porque estava bem elegante... O tipo exibia uma joia
na gravata (uma ferradura de rubis), carregava uma rosa amarela no paletó e de
seu monóculo pendia uma fita bem arranjada.
Ele estava dizendo que certa noite participou de ceia no Café de la Paix
na companhia de certa Cora e de certa Valtesse, e que junto estava um tipo
muito chic, na verdade se tratava de um príncipe.
O Rinchão fazia inveja quando anunciava aos
demais que desfrutara da companhia de uma condessa italiana... A mulher era
muito linda e, ainda por cima, era parente do papa e se chamava Popotte. Ela o
levou aos campos Elíseos. Era demais! Teve um caso amoroso com essa extenuante
mulher!
Muitas haviam sido
suas aventuras... Conhecera restaurantes espetaculares onde os serviçais o
chamavam de “Mr. Le Comte”... Ouviu belas vozes de belos corpos femininos...
Civilização e prazer! Eis a síntese de sua visita à França.
Um dos que ouviam suas histórias quis saber e ele chegara a ver Vitor
Hugo... O Rinchão deu a entender que o romancista não era dado às “rodas chics”.
(...)
Na
semana seguinte, Teodorico não conseguiu se livrar da tentação de conhecer
Paris... O fato é que nem se sentia atraído pelos prazeres narrados pelo
Silvério. Mais que isso, sentia-se cansado dos ares de Lisboa, suas igrejas,
lojas e tudo o mais que o levava a pensar em Adélia.
Sua falta de
autonomia o angustiava demais... Evidentemente sua condição o impedia de partir
para qualquer lugar que fosse... Só mesmo se a tia Patrocínio resolvesse “abrir
sua bolsa de seda verde” e lhe oferecesse a oportunidade para extrair dela
parte de seu ouro.
Algo
improvável... Ainda mais que, para a beata, Paris era lugar de pecado, mentiras
e gula... Os franceses não eram confiáveis porque não respeitavam os princípios
da religião e viviam nas “relaxações”. Pelo menos por enquanto, Teodorico tinha
certeza de que não cogitaria visitar aquele “antro” diante dela.
Leia: A
Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto