sexta-feira, 20 de outubro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – algumas considerações sobre o sonho de Teodorico no Mar da Palestina; animação de Topsius ao avistar Jafa; informações bíblicas a respeito do lugar

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_19.html antes de ler esta postagem:

Permitam-me essas considerações acerca do sonho do Raposo.
É que temos de dedicar mesmo especial atenção aos sonhos do protagonista de “A Relíquia” se quisermos fazer uma análise menos preconceituosa do texto de Eça de Queiroz .
Esse que descrevemos nas duas últimas postagens não foi o primeiro e nem é o último do romance.


Muitos leitores estranharam as passagens que descrevem o sonho de Teodorico.
Penso que não devemos considerá-lo uma “revelação”.
(...)
Os sonhos que temos são marcados pelos “recortes de nossa experiência” durante o dia (ou em tempos mais remotos). Isso pode explicar o devaneio do Raposo.
É raro os sonhos obedecerem o rigor cronológico... Personagens que não se conhecem (ou que sequer são contemporâneos) podem dividir o mesmo “ambiente onírico”.
Não é por acaso que Adélia aparece no sonho...
Podemos pensar que Teodorico alimentasse a esperança de que ela retornasse aos seus braços... O relacionamento não terminou “bem resolvido” e é evidente que o rapaz guardava rancor! Ela havia sido má com ele! O traiu! Talvez por isso ele a “vê” se interessando pelo demônio. Talvez o seu inconsciente exigisse uma justificativa para repudiá-la definitivamente.
(...)
Alguns tendem a crer que a “participação” da Maricocas no sonho seja menor... Mas ela se explica na medida em que se tratava de sua mais recente paixão...
A vemos no começo do sonho, bela e com sua graciosa e impecável vestimenta. Na parte final, Teodorico disse ao demônio que estivera em Alexandria, onde conhecera a adorável garota... Não podemos esquecer que ele estava sofrendo por ter se afastado dela... Estava apaixonado, isso é inegável, mas ele mesmo nutria  sérias dúvidas a respeito do futuro relacionamento.
Vimos que o diabo sentenciou que a Maricocas não era exatamente o que o rapaz pensava... Talvez inconscientemente, Teodorico sentisse a necessidade de ouvir algo que explicasse a incompatibilidade daquela relação.
(...)
Vimos que o sonho apresenta muito mais...
O conteúdo “ensinado pelo diabo” chega a ser assustador... Mas ele pode muito bem ser entendido como um “apanhado” das conversas anteriores de Teodorico com o erudito Topsius (ou de suas empolgadas elucubrações).
Não podemos esquecer que, apesar da postura contrária à religião, sua formação tinha muito de religiosa. Enquanto a tia Patrocínio estivesse viva teria de mostrar-se beato...
Não é por acaso que a “aparição” da velha carola decreta o final do sonho.

(...)

Teodorico despertou do sono...
Libertou-se da coberta, mas manteve o embrulho de papel pardo junto ao peito.
Chegou ao convés e respirou da atmosfera reconfortante... O mar estava tranquilo e desde a serra soprava um vento refrescante que trazia o aroma da flor de laranjeira.
Sim... Haviam chegado à Palestina. Seus olhos pecadores a contemplavam... A cidade que avistou era escura e cercada de pomares. Considerou a “santidade” do lugar e questionou se os raios de sol que o atingiam eram os mesmos que iluminavam as demais paragens.
De repente Topsius anunciou aos gritos que aquela era Jafa... Explicou que se tratava da cidade mais antiga de toda a Ásia... Datava de antes do Dilúvio e no passado se chamava Jepo.
O alemão não largava o cachimbo de louça e tinha ares de seriedade. Encarou o português e orientou-o a retirar a touca para saudar com respeito aquela “anciã dos tempos, cheia de lenda e de história”. Depois acrescentou que fora ali que Noé (chamou-o borrachíssimo) construiu a arca.
Teodorico manifestou-se admirado porque mal tinham chegado e as “coisas da religião” já apareciam.
Como não manter respeito? Os demais passageiros tomaram ares piedosos... A embarcação passou a lembrar uma capela sisuda... Um tipo trajando hábito lazarista caminhou de um lado para outro a meditar o seu livro de orações.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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