quinta-feira, 5 de outubro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – Teodorico deu um jeito de a tia Patrocínio acreditar que Nosso Senhor aprovava sua viajem de peregrinação; preparativos com o Benjamim e dicas sobre oportunidades em Alexandria; nota no Jornal das Novidades; congratulações dos amigos carolas

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_48.html antes de ler esta postagem:

Como se vê, o rapaz passou a traçar planos que nada tinham de religiosos para a peregrinação... Mas considerou que a tia ainda pudesse, por desconfiança, cancelar o projeto.
É por isso que Teodorico resolveu encaminhar-se ao oratório, onde tratou de desarranjar os cabelos... Na sequência agitou-se o mais que pôde e correu ao quarto da tia... Levando os braços para o alto, foi dizendo que estava em oração no oratório quando sentiu que o Cristo crucificado disse-lhe que fazia muito bem em visitar o Santo Sepulcro. O rapaz falou mais... Disse que Nosso Senhor contou-lhe que estava muito contente com a tia, pessoa com a qual Ele podia contar.
Dona Patrocínio ouviu aqueles absurdos, juntou as mãos em prece e louvou o Senhor. Perguntou se a imagem dissera-lhe mesmo tudo aquilo e emendou que Nosso Senhor bem sabia que era para honrá-lo que enviava o sobrinho para a Terra Santa.
A mulher não se cansava mais de dizer que Deus deve ser louvado pelas terras e também no céu... Até que pediu para o sobrinho apressar-se a voltar a rezar. Disse que ele não devia se fartar de rezar...
Teodorico retirou-se “murmurando uma ave-maria”... A tia chegou à porta para acrescentar que ele devia manter-se de branco e respeitar profundamente os locais santos. É por isso que observou que se lhe estivessem faltando ceroulas devia encomendá-las para que viajasse decentemente e se apresentasse em perfeitas condições ao santo sepulcro.
(...)
Teodorico fez conforme lhe fora autorizado... Também resolveu adquirir um Guia do Oriente e um capacete especial de cortiça. Desejoso de saber o “modo mais deleitoso” de viajar a Jerusalém, consultou certo Benjamim da Benjamim Sarrosa & Cia... O judeu, que fazia negócios de gado com o Marrocos, entregou-lhe um papel com algumas anotações.
Pelo visto, partiria no vapor Málaga, da companhia Jadley... Passaria por Gibraltar e seguiria até Malta e, de lá, para Alexandria (Egito)... Outra embarcação o conduzira no rumo da Síria. Desembarcaria em Jafa... Na sequência teria de viajar no lombo de animais por uma estrada coberta por pedregulhos e macadâmias até divisar as muralhas de Jerusalém.
Pelo visto, Teodorico não gostou muito do trajeto tipicamente marítimo... Nada de Espanha? Protestou com o Benjamim deixando claro que tinha a intenção de “se refestelar” pelo caminho. O outro aconselhou-o a refestelar-se em Alexandria, pois a cidade tinha de tudo o que quem está atrás de diversão deseja (mulheres, jogos de azar, bilhar...).
O Raposo confiava no Benjamim e guardava suas recomendações... Mas no Montanha ou na tabacaria do Brito seus conhecidos sabiam que ele partiria numa peregrinação santa... O Jornal das Novidades até publicara a respeito... Os leitores tomaram conhecimento de que Teodorico Raposo, “sobrinho da Excelentíssima D. Patrocínio das Neves, opulenta proprietária, e modelo de virtudes cristãs”, visitaria Jerusalém e demais lugares sagrados onde o Redentor padecera por todos. O periódico desejava-lhe boa viagem.
Dona Patrocínio guardou a folha do jornal no suporte onde estava posicionada a imagem de São José. De sua parte, Teodorico ficou pensando no ciúme de Adélia (leitora fiel do jornal) ao saber que ele passava muito bem sem ela e que em breve estaria passando por terras marcadas também por palácios luxuosos.
(...)
O dia da viagem se aproximou rapidamente... Na véspera, todos lhe fizeram festa no casarão... José Justino não se cansava de dizer que o rapaz faria uma viagem que daria muito o que se falar. O Padre Pinheiro sentenciava que era Nosso Senhor que providenciara tudo tão bem.
Os amigos de Dona Patrocínio se admiraram com o capacete de cortiça... O padre Casimiro estranhou e disse que um chapéu alto seria o mais indicado... A tia intrometeu-se e garantiu que o advertira. Teodorico se defendeu dizendo que já havia manifestado que o capacete seria usado apenas no deserto, pois na cidade permaneceria com o chapéu alto. O doutor Margaride assentiu.
O relógio já acusara as dez da noite... Todos sabiam que o rapaz teria de madrugar... Padre Pinheiro quis saber se o peregrino providenciara remédios para desarranjos intestinais... Teodorico respondeu afirmativamente e garantiu que o Benjamim acertou-lhe uma lista com vários medicamentos, inclusive arnica e linhaça.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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