quarta-feira, 4 de outubro de 2017

“A Relíquia”, de Eça de Queiroz – da “Biblioteca Universal” – o monarquista Margaride e seu desejo de visitar a Terra Santa; padre Pinheiro destaca as indulgências plenárias a que os entes queridos e impossibilitados da longa viagem também podiam receber

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/10/a-reliquia-de-eca-de-queiroz-da_4.html antes de ler esta postagem:

Instado pelo doutor Margaride a responder qual seria a sua “honesta cobiça”, Teodorico acabou criando coragem e respondeu que gostaria muito de “ver Paris”.

No mesmo instante, a tia Patrocínio soltou um “cruzes!” Disse que nem podia acreditar no que tinha acabado de ouvir... Quer dizer que o sobrinho gostaria de ir a Paris? Teodorico procurou ser rápido e tentou arranjar uma desculpa a contento ao responder que seria para “ver as igrejas”.
Tia Patrocínio redarguiu... Sentenciou que para aquilo não havia necessidade de se viajar a Paris, pois Lisboa estava repleta de lugares santos, bonitos, com órgão, com Santíssimo luxuoso e lindas procissões.
O Margaride concordou com a anfitriã. Afinal, garantiu, não havia o menor sentido em se “procurar as magnificências do culto” numa “república sem Deus”.
Padre Pinheiro intrometeu-se a dizer que o magistrado, se tivesse oportunidade, escolheria Roma para uma visita santa... O doutor Margaride fez uma correção. Iria era para a Terra Santa. Visitaria Jerusalém e o Rio Jordão, lugares de meditação... Subiria ao Gólgota, como fizera Chateaubriand*. Registraria suas impressões e as publicaria.

                   * François-René de Chateaubriand, escritor e diplomata francês que no começo do século XIX visitou os lugares santos do início do Cristianismo e publicou uma série de textos com base nessa experiência.

Depois foi servido o lombo assado... O silêncio tomou conta da mesa... Pode ser que os comensais refletissem a respeito do desejo do doutor Margaride de visitar a Terra Santa. Pelo menos o Teodorico ficou a imaginar a respeito... Dias de jornada sobre um camelo, e em deserto escaldante, levariam o peregrino a “ruínas em torno de uma cruz”. Oliveiras seriam avistadas nas margens de um rio... Tudo ali devia se referir ao padecimento de Nosso Senhor...
O padre Casimiro finalizou seus pensamentos sentenciando que se tratava de uma “linda viagem”. Padre Pinheiro concordou e garantiu que a visita ao Santo Sepulcro era muito apreciada por Nosso Senhor Jesus Cristo.
José Justino acrescentou que os cristãos que faziam a romagem à Terra Santa recebiam indulgência especial. Ele garantiu que havia feito leituras bem fundamentadas que davam conta de que voltava-se da Terra Santa “limpinho de todos os pecados”.
Padre Pinheiro disse que o amigo tinha razão. A peregrinação devota permitia receber as “indulgências plenárias”. O próprio patriarca de Jerusalém as concedia no mármore do Santo Sepulcro. Era só pagar os emolumentos.
O religioso dizia isso ao mesmo tempo em que rejeitava uma couve-flor para evitar uma indesejável má-digestão. Depois completou a informação... Disse que a peregrinação à Terra Santa também podia garantir a indulgência a um ente querido que estivesse impossibilitado de se submeter à longa viagem. Nesse caso, bastava pagar emolumentos dobrados.
O doutor Margaride pareceu animar-se e bateu com força nas costas de Teodorico. Disse que aquele parecia ser o caso da “boa Titi, uma Titi adorada”, que era como anjo, “toda virtude, toda generosidade”. O padre Pinheiro lembrou os emolumentos dobrados, condição sine qua non para que a sugestão do magistrado pudesse se efetivar.
(...)
Tia Patrocínio nada dizia. Mas via-se que estava muito interessada na conversa. Desviava o olhar para os que se manifestavam a respeito dos lugares sagrados e das indulgências plenárias. Teodorico achou que as faces da mulher coravam. Ele podia apostar que ela engendrava algo.
Logo a Vincência trouxe o arroz-doce e todos se dedicaram a uma oração.
Leia: A Relíquia – Coleção “Biblioteca Universal”. Editora Três.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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