sábado, 22 de julho de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – registros de 26 de dezembro de 1895; reunião de família e “contação de história de antigamente”; tia Agostinha explica sobre o seu casamento com Justino; as festas de Natal organizadas por seu Batista e os acertos de noivados das filhas com tipos de inteligência limitada

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/07/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_22.html antes de ler esta postagem:

Não devemos pensar que não se comemorava o Natal na família de Helena... As festas religiosas eram levadas a sério por parte de sua mãe e tias.
Evidentemente o Natal não tinha o caráter comercial que tem nos dias de hoje... Além disso, os documentos a que se referem as últimas postagens nos revelam que os afazeres do cotidiano não eram deixados de lado. A solenidade da época era vivenciada de modo mais simples.
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A propósito dessa temática, vale destacar que no dia 26 de dezembro de 1895 Helena propôs à sua tia Agostinha que contasse “uma história do tempo antigo”. Podemos imaginar que a família estava numa daquelas reuniões costumeiras em que falavam de tudo, de assuntos sérios às coisas engraçadas que levavam todos a boas gargalhadas.
Agostinha, que era a irmã de dona Carolina, de quem Helena mais gostava, disse que podia contar “Histórias de Justino”... Em seus registros, Helena destaca que este havia sido o marido de Agostinha, um tipo ignorante que a tratava muito mal... Ela não deixa de acrescentar que, felizmente, ele já havia morrido.
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A tia começou dizendo que até o dia do casamento não conhecia o Justino... Nem mesmo o vira conversar... É que os casamentos das irmãs eram acertados pelo pai delas, o marido de dona Teodora e avô de Helena, seu Batista.
Tudo o que Agostinha podia dizer é que o achava bonito... Ela o via de longe, montado em belos cavalos.
No dia do casamento, ele apareceu muito bem vestido... Então ela imaginou que poderia gostar mesmo dele. Mas logo que os dois ficaram a sós após a festa, ele a segurou pela cintura e disse “Agostinha, eu ‘tou muito satisfeito. ‘Ocê tombém ‘tá?”
A partir daquele momento ela viu que sua vida seria de tristeza e sofrimento... E também de vergonha... O homem vivia trocando “l” por “r”... O seu modo de falar era dos tipos mais ignorantes.
Certa vez, ele chegou dizendo “Sabe com quem eu ‘tive agora? Com Zoroástrico”. Agostinha o corrigiu explicando que ele devia dizer Zoroastro. Em outra ocasião, Justino disse que precisava ir “no farmaceutro”... Evidentemente ela explicou que deve-se dizer farmacêutico.
Ao que tudo indica ele se recordara da troca que fizera ao dizer o nome “Zoroastro”... Então esbravejou que poderia não mais dirigir a palavra à mulher, pois quando dizia “tru” (de farmaceutro!) ela o corrigia falando que era “ticu” (de farmacêutico!)... Ela só podia estar de brincadeira e querendo amolar, pois quando dizia “ticu” (de Zoroástrico!) ela o corrigia falando que era “tru” (de Zoroastro!).
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Helena explica que conhecia as histórias dos casamentos de suas tias... Apenas a sua mãe, dona Carolina, e também a tia Aurélia se casaram de acordo com a própria vontade e conhecendo previamente os maridos... É que quando elas se casaram o seu Batista já havia falecido.
As demais se casaram com maridos que ele escolhia para elas... Tirando a tia Ditinha, as outras também não tiveram sorte e se casaram com homens pouco inteligentes.
Agostinha explicou que o pai delas acertava os casamentos “de duas ao mesmo tempo”.
Seu Batista fazia uma grande festa de Natal... Convidava fazendeiros e outros tipos que ele considerava promissores.
Durante a festa estabelecia o “contrato”... As que ficavam comprometidas passavam o ano fazendo o enxoval.
No Natal seguinte aconteciam os casamentos. Ocasião em que ele já acertava outros dois noivados.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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