Se estivesse viva no dia 16 de dezembro de 1895, dona Teodora faria oitenta e cinco anos.
Helena registrou em seu diário algumas considerações a respeito da
data especial.
Ela explicou que as mulheres da família foram à missa e comungaram pela
alma de sua avó.De sua parte havia a convicção de que dona Teodora fora tão boa em vida que sua alma encaminhou-se diretamente para o Céu... Pode até ser que alguma de suas filhas achassem que ela precisava de muitas orações ou que devessem comungar para livrá-la do Purgatório.
Definitivamente este não era o seu caso. Ela garantiu que comungou “mais pelo prazer” que a avó tinha sempre que a via sair da missa depois de ter comungado... Dona Teodora a esperava na janela e entregava-lhe um cálice de vinho do Porto assim que saía da Igreja do Rosário.
(...)
O dia havia sido bem
triste para Helena... Nem poderia ter sido de outra forma por causa das boas lembranças
de situações que jamais se repetiriam.
Tudo
estava mudado... A família já não se reunia como antigamente... Os grandes
jantares preparados pelas negras com os tachos e panelas ainda da época da
escravidão não ocorriam mais... Uma fartura indescritível: angu, muito frango
com quiabo ou molho pardo; tomatada de carne de porco...
Por causa do
inventário aconteceram muitas discussões... Apesar disso, é certo que as brigas
não desuniram a família. Helena garante que todos ainda eram amigos, mas não
podia negar que já não conviviam como na época em que dona Teodora vivia.
(...)
Os aniversários dela
eram festejados como nenhum outro...
Helena conta que ela
mesma começava a se dedicar aos festejos um mês antes... Ela era a única de
todos os netos que se dedicava a preparar um presente especial. Normalmente era
um bordado ou coisa parecida, e enquanto tecia imaginava a alegria de dona
Teodora ao receber o presente ao mesmo tempo em que não poupava os elogios à
neta favorita.
No último
aniversário, Helena presenteou-a com uma delicada toalha de crochê destinada ao
seu oratório.
(...)
No momento mesmo em que escrevia, a menina refletiu que, se não fosse a
morte da avó, estaria com os primos se divertindo na chácara com vários
brinquedos de roda, como o da “ciranda cirandinha”... Brincariam até as mães
anunciarem que já era tarde.
Duas grandes mesas seriam servidas... A da sala de jantar era para “os
filhos, filhas, genros, noras e netos maiores”... Em baixo da parreira era
preparada a mesa para os netos menores.
Todos podiam se fartar de tanto comer “leitões,
perus, panelões de arroz, tutu de feijão com linguiça, empadas”... Dona Teodora
sempre guardava de seus guisados especiais para Helena. Como esquecer uma coisa
dessas?
Junto à despensa
ficava um grande quarto onde os doces eram arranjados para a alegria de todos.
Um dos negros habilidosos nessa arte decorava tudo com muito jeito... Bambus,
folhas de bananeiras e de outras árvores eram ajeitados de tal forma que
lembravam um bosque encantado... Os doces feitos pelas negras também eram
sortidos: “geleias de mocotó, canudos, luminárias, manjar, toicinho do céu,
pastéis de nata, doces secos e em calda de toda espécie e sequilhos de toda
qualidade”...
Toda essa organização demandava certa antecedência... E dona Teodora
fazia questão de garantir que sobrasse para que as filhas pudessem levar para
suas casas.
O
vinho da festa vinha em barris desde a capital... Os negros engarrafavam tudo na
época certa. Também eles, que muito estimavam à dona Teodora, faziam alegremente
sua comemoração no salão da antiga instalação onde funcionava a senzala.
(...)
No final de seus
registros, Helena acrescenta que há muita gente que diz que a vida não é de
felicidade...
Este
não era o caso de sua avó... É claro que havia os aborrecimentos, e ela sempre
dizia: “Forte coisa!”... Mas logo emendava que: “Melhores dias hão de vir”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/07/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_21.html
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto