quinta-feira, 20 de julho de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – sobre os registros de 16 de dezembro de 1895; dona Teodora faria 85 anos; o dia foi de missa e de recordações; avaliando as mudanças na família desde a morte da avó; lembranças dos aniversários na chácara, fartura e alegria de toda a família e dos negros agregados

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/07/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_65.html antes de ler esta postagem:

Se estivesse viva no dia 16 de dezembro de 1895, dona Teodora faria oitenta e cinco anos.
Helena registrou em seu diário algumas considerações a respeito da data especial.
Ela explicou que as mulheres da família foram à missa e comungaram pela alma de sua avó.
De sua parte havia a convicção de que dona Teodora fora tão boa em vida que sua alma encaminhou-se diretamente para o Céu... Pode até ser que alguma de suas filhas achassem que ela precisava de muitas orações ou que devessem comungar para livrá-la do Purgatório.
Definitivamente este não era o seu caso. Ela garantiu que comungou “mais pelo prazer” que a avó tinha sempre que a via sair da missa depois de ter comungado... Dona Teodora a esperava na janela e entregava-lhe um cálice de vinho do Porto assim que saía da Igreja do Rosário.
(...)
O dia havia sido bem triste para Helena... Nem poderia ter sido de outra forma por causa das boas lembranças de situações que jamais se repetiriam.
Tudo estava mudado... A família já não se reunia como antigamente... Os grandes jantares preparados pelas negras com os tachos e panelas ainda da época da escravidão não ocorriam mais... Uma fartura indescritível: angu, muito frango com quiabo ou molho pardo; tomatada de carne de porco...
Por causa do inventário aconteceram muitas discussões... Apesar disso, é certo que as brigas não desuniram a família. Helena garante que todos ainda eram amigos, mas não podia negar que já não conviviam como na época em que dona Teodora vivia.
(...)
Os aniversários dela eram festejados como nenhum outro...
Helena conta que ela mesma começava a se dedicar aos festejos um mês antes... Ela era a única de todos os netos que se dedicava a preparar um presente especial. Normalmente era um bordado ou coisa parecida, e enquanto tecia imaginava a alegria de dona Teodora ao receber o presente ao mesmo tempo em que não poupava os elogios à neta favorita.
No último aniversário, Helena presenteou-a com uma delicada toalha de crochê destinada ao seu oratório.
(...)
No momento mesmo em que escrevia, a menina refletiu que, se não fosse a morte da avó, estaria com os primos se divertindo na chácara com vários brinquedos de roda, como o da “ciranda cirandinha”... Brincariam até as mães anunciarem que já era tarde.
Duas grandes mesas seriam servidas... A da sala de jantar era para “os filhos, filhas, genros, noras e netos maiores”... Em baixo da parreira era preparada a mesa para os netos menores.
Todos podiam se fartar de tanto comer “leitões, perus, panelões de arroz, tutu de feijão com linguiça, empadas”... Dona Teodora sempre guardava de seus guisados especiais para Helena. Como esquecer uma coisa dessas?
Junto à despensa ficava um grande quarto onde os doces eram arranjados para a alegria de todos. Um dos negros habilidosos nessa arte decorava tudo com muito jeito... Bambus, folhas de bananeiras e de outras árvores eram ajeitados de tal forma que lembravam um bosque encantado... Os doces feitos pelas negras também eram sortidos: “geleias de mocotó, canudos, luminárias, manjar, toicinho do céu, pastéis de nata, doces secos e em calda de toda espécie e sequilhos de toda qualidade”...
Toda essa organização demandava certa antecedência... E dona Teodora fazia questão de garantir que sobrasse para que as filhas pudessem levar para suas casas.
O vinho da festa vinha em barris desde a capital... Os negros engarrafavam tudo na época certa. Também eles, que muito estimavam à dona Teodora, faziam alegremente sua comemoração no salão da antiga instalação onde funcionava a senzala.
(...)
No final de seus registros, Helena acrescenta que há muita gente que diz que a vida não é de felicidade...
Este não era o caso de sua avó... É claro que havia os aborrecimentos, e ela sempre dizia: “Forte coisa!”... Mas logo emendava que: “Melhores dias hão de vir”.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

Páginas