domingo, 23 de julho de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – registros de 29 e 31 de dezembro de 1895; a preleção do padre italiano a respeito da ocultação de um pecado no momento da confissão; Helena cai em prantos, apavorada pela história da garotinha morta e carregada pelo diabo; confissão ao padre Neves; o fim

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/07/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_23.html antes de ler esta postagem:

Helena lembra que no dia da celebração de sua Primeira Eucaristia, dona Carolina a fez levantar-se bem cedo da cama... A mãe ajudou-a a se vestir e deu-lhe “conselhos para uma boa comunhão”.
Ela foi a última a chegar à igreja... As demais meninas a aguardavam para o início da “prática”, que deve ser entendida como uma espécie de preleção preparatória para o momento mais importante do qual participariam.
(...)
Não era o Padre Neves que fazia a “prática”... Pelo visto, nessas ocasiões ele convidava outro sacerdote para dirigir a palavra às crianças. Helena explica que o “palestrante” era “um padre italiano gorducho e vermelho que sabia gritar e impressionar as meninas”.
Ele começou dizendo que aquele era o dia mais importante e feliz da vida delas porque logo receberiam “o corpo, sangue e alma de Jesus”. Era o próprio Deus que lhes concedia aquela graça.
Na sequência o religioso explicou que era muito importante que estivessem preparadas... E isso significava que deviam estar contritas. Deviam ter a consciência de que não podiam ter ocultado nenhum pecado no momento em que estiveram no confessionário.
Ele advertiu que, no caso de terem ocultado algum pecado no momento da confissão, uma desgraça poderia ocorrer! Ele mesmo conhecia muitos exemplos e resolveu contar-lhes um caso impressionante.
(...)
O italiano gorducho de batina vociferou que certa vez um grupo de garotas fez a primeira comunhão... Elas receberam a hóstia e retornaram para seus lugares... Via-se que todas tinham semblantes contritos. Mas aconteceu que “uma delas caiu para trás e morreu”.
De fato, algo bem assustador... Mas a história não terminou aí.
O convidado do padre Neves contou que a mãe da garota morta ficou transtornada... Então o padre que cuidava daquela paróquia a consolou dizendo que Deus havia levado a pequena para a Sua glória... As demais meninas se sensibilizaram e invejaram a coleguinha que tinha “morrido na graça de Deus”.
Porém aconteceu que elas viram que “a desgraçadinha foi arrastada pelo próprio capeta por detrás do altar”... O italiano interrompeu a narrativa... Depois perguntou à turma de Helena se sabiam por que aquilo tinha ocorrido.
Ele mesmo tinha a dramática resposta: “Porque a menina havia escondido um pecado no confessionário!”
(...)
Em seu diário, Helena registrou que aquela foi uma ocasião terrível... Depois de ouvir a história contada pelo padre italiano, caiu num pranto que alarmou a todos...
Padre Neves dirigiu-se até o banco onde ela estava. Aflita, ela disse que havia “escondido um pecado no confessionário”. O bom homem procurou acalmá-la ao dizer que poderia ouvi-la novamente, Deus a perdoaria...
Helena disse que pretendia contar o pecado que escondera a outro sacerdote... Padre Neves segurou-lhe as mãos e disse que não podia ser, pois ele havia atendido a sua confissão anteriormente... Era para ele que ela devia contar o pecado...
A paciência e meiguice do Padre Neves venceram a insegurança de Helena.
Assim, num canto da sacristia, em prantos e envergonhada, Helena disse bem baixinho que se acusava de “achar um padre muito feio”.
O padre disse que aquilo não era pecado... Afinal que mal havia em achar um padre feio? Helena respondeu que o padre era ele mesmo.
Nesse momento, Padre Neves largou as mãos de Helena e exclamou que ele era feio mesmo... Isso não tem nada demais! Mas que tolice!
O padre desabafou que passaram o ano inteiro no preparo para a Primeira Eucaristia e ela chegava ao confessionário dizendo que o achava feio... Era demais!

(...)

O último registro do diário de Helena data de 31 de dezembro de 1895.
Mais uma vez ela faz referência à morte de sua avó... Ela lembra das palavras gentis a respeito de sua inteligência e bondade... E também do quanto dona Teodora considerava essas suas qualidades de muita valia à família.
Dona Teodora achava que, de suas filhas, dona Carolina era a que mais tinha dificuldades, e o modo como o tio Geraldo administrava a sua fortuna (ele era o filho encarregado de cuidar do dinheiro e posses de dona Teodora) tornava impossível qualquer socorro monetário à família de Helena.
(...)
Dona Teodora se preocupava com aquela situação e dizia (à própria dona Carolina) que sua morte talvez trouxesse algum alívio para eles.
No final das contas, depois de tantas discussões sobre o inventário, o dinheiro que coube à dona Carolina foi bem pouco... Seu Alexandre usou uma parte para quitar dívidas e continuou com a mineração. Ele acabou entrando para a Companhia Boa Vista e passou a tratar de tudo o que se referia aos estrangeiros, pois era o único que falava inglês, além de conhecer bem as lavras.
Tudo ia bem com a família... A vida estava melhor e não “sofreriam mais faltas”.
E isso Helena atribuía à proteção da alma de sua avó lá do Céu.
Fim.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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