Helena lembra que no dia da celebração de sua Primeira Eucaristia, dona Carolina a fez levantar-se bem cedo da cama... A mãe ajudou-a a se vestir e deu-lhe “conselhos para uma boa comunhão”.
Ela foi a última a chegar à igreja... As demais meninas a aguardavam para o início da “prática”, que deve ser entendida como uma espécie de preleção preparatória para o momento mais importante do qual participariam.
(...)
Não
era o Padre Neves que fazia a “prática”... Pelo visto, nessas ocasiões ele
convidava outro sacerdote para dirigir a palavra às crianças. Helena explica
que o “palestrante” era “um padre italiano gorducho e vermelho que sabia gritar
e impressionar as meninas”.
Ele começou dizendo
que aquele era o dia mais importante e feliz da vida delas porque logo
receberiam “o corpo, sangue e alma de Jesus”. Era o próprio Deus que lhes
concedia aquela graça.
Na
sequência o religioso explicou que era muito importante que estivessem
preparadas... E isso significava que deviam estar contritas. Deviam ter a
consciência de que não podiam ter ocultado nenhum pecado no momento em que
estiveram no confessionário.
Ele advertiu que, no
caso de terem ocultado algum pecado no momento da confissão, uma desgraça
poderia ocorrer! Ele mesmo conhecia muitos exemplos e resolveu contar-lhes um
caso impressionante.
(...)
O italiano gorducho
de batina vociferou que certa vez um grupo de garotas fez a primeira comunhão...
Elas receberam a hóstia e retornaram para seus lugares... Via-se que todas
tinham semblantes contritos. Mas aconteceu que “uma delas caiu para trás e
morreu”.
De fato, algo bem
assustador... Mas a história não terminou aí.
O convidado do padre
Neves contou que a mãe da garota morta ficou transtornada... Então o padre que
cuidava daquela paróquia a consolou dizendo que Deus havia levado a pequena
para a Sua glória... As demais meninas se sensibilizaram e invejaram a
coleguinha que tinha “morrido na graça de Deus”.
Porém aconteceu que elas viram que “a desgraçadinha foi arrastada pelo
próprio capeta por detrás do altar”... O italiano interrompeu a narrativa...
Depois perguntou à turma de Helena se sabiam por que aquilo tinha ocorrido.
Ele mesmo tinha a dramática resposta: “Porque a menina havia escondido
um pecado no confessionário!”
(...)
Em seu diário, Helena registrou que aquela foi
uma ocasião terrível... Depois de ouvir a história contada pelo padre italiano,
caiu num pranto que alarmou a todos...
Padre Neves
dirigiu-se até o banco onde ela estava. Aflita, ela disse que havia “escondido
um pecado no confessionário”. O bom homem procurou acalmá-la ao dizer que
poderia ouvi-la novamente, Deus a perdoaria...
Helena disse que pretendia contar o pecado que escondera a outro sacerdote...
Padre Neves segurou-lhe as mãos e disse que não podia ser, pois ele havia atendido
a sua confissão anteriormente... Era para ele que ela devia contar o pecado...
A
paciência e meiguice do Padre Neves venceram a insegurança de Helena.
Assim, num canto da
sacristia, em prantos e envergonhada, Helena disse bem baixinho que se acusava
de “achar um padre muito feio”.
O
padre disse que aquilo não era pecado... Afinal que mal havia em achar um padre
feio? Helena respondeu que o padre era ele mesmo.
Nesse momento, Padre
Neves largou as mãos de Helena e exclamou que ele era feio mesmo... Isso não
tem nada demais! Mas que tolice!
O padre desabafou que
passaram o ano inteiro no preparo para a Primeira Eucaristia e ela chegava ao
confessionário dizendo que o achava feio... Era demais!
(...)
O último registro do
diário de Helena data de 31 de dezembro de 1895.
Mais uma vez ela faz
referência à morte de sua avó... Ela lembra das palavras gentis a respeito de
sua inteligência e bondade... E também do quanto dona Teodora considerava essas
suas qualidades de muita valia à família.
Dona Teodora achava que, de suas filhas, dona Carolina era a que mais
tinha dificuldades, e o modo como o tio Geraldo administrava a sua fortuna (ele
era o filho encarregado de cuidar do dinheiro e posses de dona Teodora) tornava
impossível qualquer socorro monetário à família de Helena.
(...)
Dona
Teodora se preocupava com aquela situação e dizia (à própria dona Carolina) que
sua morte talvez trouxesse algum alívio para eles.
No final das contas, depois de tantas discussões sobre o inventário, o
dinheiro que coube à dona Carolina foi bem pouco... Seu Alexandre usou uma
parte para quitar dívidas e continuou com a mineração. Ele acabou entrando para
a Companhia Boa Vista e passou a tratar de tudo o que se referia aos
estrangeiros, pois era o único que falava inglês, além de conhecer bem as
lavras.
Tudo ia bem com a família... A vida estava
melhor e não “sofreriam mais faltas”.
E isso Helena
atribuía à proteção da alma de sua avó lá do Céu.
Fim.
Leia: Minha
Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto