O trem chegou à estação de Ogden às duas horas. Retornaria a movimentar-se apenas às seis da tarde. Assim Fogg, seu criado, a jovem Aouda e o policial Fix puderam conhecer um pouco da “Cidade dos Santos”.
Como as demais cidades do país, Ogden é marcada pelos traços retos de suas ruas... Verne cita a expressão de Victor Hugo sobre a “tristeza lúgubre dos ângulos retos” para ressaltar a monotonia dos percursos feitos pelos caminhantes.
Por volta das três horas eles percorriam um trecho das margens do Jordão e observavam as primeiras elevações dos montes Wahsatch. Tudo ali revelava algo do modo de ser dos mórmons e de sua história. Conheceram a “casa do profeta”, o “arsenal” e o tribunal. Esses eram os “monumentos” do lugar.
Um extenso muro datado dos primórdios da cidade (1853), construído com argila e pedras locais, demarcava o que teria sido o perímetro determinado por Brigham Young e seus seguidores.
Os estrangeiros notaram que as casas possuíam tijolos de tons azulados, varandas e galerias... Os jardins eram bem cuidados e invariavelmente dotados de “acácias palmeiras e alfarrobeiras”.
Havia a rua onde o comércio e os hotéis se concentravam... Entre eles destacava-se o Salt Lake House. O que mais chamava a atenção dos viajantes era o fato de as ruas estarem praticamente desertas... A área onde se localizava o templo era a mais corrida.
Para chegarem a este local, tiveram de passar por vários bairros. No caminho deu para perceber que as mulheres eram maioria. E isso não é difícil de se explicar, dado que muitas famílias dos mórmons eram constituídas levando-se em conta a poligamia.
(...)
Nem todos adotavam
este princípio. Muitos mórmons preferiam viver com apenas uma esposa. Verne
registra que as mulheres de Utah, por motivos religiosos, não se importavam
serem desposadas por um homem que já mantivesse união com outras.
Passepartout não se
via na condição de mórmon principalmente porque era um “solteiro convicto”...
Ao observar as mulheres não notava tristeza nem contentamento em seus gestos. Todas
trajavam peças muito simples, sendo que as que usavam jaquetas pretas de seda,
capuz ou chalé deviam ser as mais ricas. Muitas outras usavam roupas mais
baratas feitas de chita.
O francês lastimou a condição dos mórmons que tinham de conviver com
tantas mulheres... Pensou que a vida dos casais é repleta de situações conflitantes,
assim aqueles homens cercados por tantas esposas deviam ter condição bem mais
complicada.
É verdade que todos ali acreditavam que, após a existência marcada por
sua devoção e modo de ser, seriam conduzidos ao paraíso onde encontrariam Smith.
Mas será que não levavam em conta que teriam que passar a eternidade com todas
elas?
Em seu íntimo, Passepartout encheu-se de
convicção de que não tinha vocação para aquele tipo de vida... Talvez nem
tivesse motivos para se apavorar, mas por um momento acreditou que as mulheres
de Utah o olhavam com certa inquietação.
(...)
Antes das quatro
horas Fogg e seus companheiros de viagem retornaram à estação... Logo voltaram
a se instalar nos vagões.
Bem no horário estabelecido, o trem apitou e voltou a rodar sobre os
trilhos...
O
começo é sempre lento e por isso todos puderam ouvir alguém em carreira
disparada pela plataforma aos gritos que exigiam que a composição parasse
imediatamente.
Evidentemente
tratava-se de um mórmon que perdeu o horário de embarque... O tipo pulou para
os trilhos e continuou a sua perseguição. Já estava sem ar quando alcançou o
último vagão e atirou-se sobre o estribo.
Passepartout viu que o homem conseguiu o seu intento e se aproximou do
banco onde ele estava estirado. Os demais passageiros disseram que ele era de Utah
e que estava fugindo por causa de um entrevero doméstico.
O
francês esperou que o outro recuperasse o fôlego para lhe perguntar quantas
mulheres ele tinha... Certamente Passepartout imaginou que fossem “umas vinte”.
O mórmon levantou os braços aos céus e respondeu que tinha apenas uma, “e já
era muito!”
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/07/a-volta-ao-mundo-em-oitenta-dias-de_6.html
Leia: A
Volta ao Mundo em Oitenta Dias – Coleção “Eu Leio”. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto