quinta-feira, 16 de março de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – de castigo; siá Margarida explica os problemas de seu Zeca à dona Carolina; os registros de 4 de agosto de 1894; de como a venda faliu

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_16.html antes de ler esta postagem:

Dona Carolina proibiu as filhas de se sentarem à mesa durante o almoço enquanto o seu Zeca estivesse presente.
Elas passaram a comer na cozinha. Mesmo assim não conseguiam se conter. Espiavam pela porta, viam o homem e disparavam a rir.
(...)
No dia mesmo em que o registro do diário foi redigido (24 de maio de 1894), a esposa de seu Zeca fez uma visita à dona Carolina.
Na verdade Siá Margarida acompanhou o marido à casa dos patrões. Era uma quinta-feira e as garotas ficaram o dia inteiro em casa, por isso ouviram toda a conversa que ela teve com a mãe.
O assunto eram os gases de seu Zeca. Helena e Luisinha prestavam atenção durante um tempo e corriam ao quarto, onde podiam rir sem serem notadas. Elas ficaram sabendo que ele estava chateado por ter sido a causa do castigo imposto por dona Carolina.
Na sequência, Siá Margarida explicou que o marido não podia mesmo comer fora de casa... Anunciou uma lista de alimentos que provocavam os gases: “cebola, repolho, batata-doce, comida temperada”...
A boa mulher foi sincera ao dizer que, quando ele passava o dia à base daquele tipo de refeição, os dois sofriam mais à tarde... Seu Zeca chegava em casa “afrontado” e sua barriga mais lembrava “um zabumba”.
Siá Margarida disse também que nas ocasiões de maior desespero preparava “um chá de erva-doce bem forte”... Dessa forma os gases saíam e o marido sentia-se aliviado.
(...)
Podemos imaginar a reação de Helena e Luisinha ao ouvirem as palavras de Siá Margarida.
A mulher sugeriu que seu Alexandre aumentasse o salário do seu Zeca em “uns dez mil-réis”, assim ele poderia levar para a venda a comida feita por ela. Dona Carolina concordou com a proposta.
Aquele foi um dia diferente... Siá Margarida permaneceu até às cinco da tarde na casa de Helena e fez biscoitos de polvilhos para o regalo das meninas... Jantou com elas e ao se despedir convidou-as para uma visita à sua casa “cheia de frutas” no alto da Luz.

(...)

Em seus registros de 4 de agosto de 1894, Helena escreveu sobre a conversa que a família teve durante o dia a respeito de sua falta de sorte.
Em síntese, todos concordavam que a pessoas que passavam a organizar comércios sempre se saíam muito bem... Montavam quitandas e logo ganhavam dinheiro. Pelo visto só mesmo na lavra é que o pai de Helena conseguia alguma coisa.
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A garota explica que causava estranheza o fato de, sempre que passavam em frente à venda, notarem que os artigos escasseavam sem que seu Zeca reabastecesse as prateleiras.
Foi ela quem relatou ao pai o fato dando a entender que, já que o seu Zeca não comprava mais mantimentos, ele devia enviar dinheiro à dona Carolina. Mas não acontecia nem uma coisa nem outra.
Seu Alexandre explicou-lhe que o homem era muito sério... Conversaria com ele para saber se algo de errado estava ocorrendo.
Seu Zeca tranquilizou o patrão. Disse que muitos clientes pagariam o que deviam no final do mês (de julho) e que, assim que isso ocorresse, “faria sortimento e prestaria contas”.
A semana teve início e o pai de Helena voltou normalmente para a lavra...
(...)
Os dias se passaram, o mês chegou ao fim...
A curiosidade da garota levou-a a conferir como estavam as coisas na venda. Tudo o que ela viu foram prateleiras desabastecidas. Notou as garrafas de vinagre de jabuticabas que dona Carolina enviara... No barril de azeite, o que mais chamava a atenção era uma volumosa poça que se avolumava ao seu redor... Os sacos estavam praticamente vazios.
Seu Zeca parecia tranquilo em sua posição atrás do balcão...
(...)
O dia 4 de agosto de 1894 foi um sábado. Logo que chegou da lavra, Seu Alexandre dirigiu-se à venda.
Então ficou sabendo que seu Zeca havia vendido tudo fiado e que ninguém pagou nada do que do devia.
Tudo indicava que o erro do funcionário foi o de vender a quem não tinha a menor condição de pagar... Helena cita os nomes de certo Chico Guedes e um tal de Moisés de Paula, que não tinha “onde cair morto”.
(...)
A venda foi fechada, pois seu Alexandre viu que o negócio estava perdido.
Mandou para casa uma ou outra coisa que podia ser aproveitada. O resto foi “vendido” ao seu Sebastião Coruja, que era vendeiro dos experientes... O homem estabeleceu o valor das mercadorias e não entregou nenhum centavo ao pai de Helena, pois ficou combinado que o pagamento se daria conforme dona Carolina fizesse as compras em seu estabelecimento.
É isso... O dinheirinho que juntaram perdeu-se na aventura de abrir o negócio.
Seu Alexandre e dona Carolina comprometeram-se a nunca mais pensar nesse tipo de iniciativa.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_18.html
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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