Definitivamente Phileas Fogg havia condenado o ritual macabro e, depois de ouvir as palavras de Cromarty e do jovem guia que os conduzia à estação de Allahabad, passou a sustentar o propósito de libertar a viúva.
Estava decidido a salvar a vida da jovem que havia sido conduzida pelos fanáticos hindus ao templo de Pillaji, onde seria sacrificada numa pira ardente. Com isso ele arriscava o plano de volta ao mundo em oitenta dias e a própria vida.
Ao demonstrar que participaria do “improvável rapto” da donzela, o general animava o inglês excêntrico. Também não havia dúvida de que Fogg podia contar com o seu fiel criado Passepartout. O francês estava sensibilizado pela ideia de salvar a moça. Ele já começava a ver no patrão mais do que um tipo frio e calculista.
(...)
Fogg não tinha certeza se poderia
contar com a colaboração do parse que os guiava por aquelas terras. Talvez ele
resolvesse tomar o partido dos hindus. Então pensou que seria muito melhor se
ele se mantivesse neutro.
Foi o general Cromarty quem decidiu esclarecer de vez
o caso. O jovem guia não titubeou ao responder que a mulher era parse como ele,
dessa forma podiam contar com a sua participação.
O rapaz emendou que os viajantes estavam arriscando mais do que a vida
porque se fossem capturados sofreriam suplícios terríveis. Eles estavam
convictos do risco? Refletiram a respeito?
Phileas Fogg respondeu que calculara os riscos e que
havia tomado a decisão. Na sequência disse que deviam esperar o anoitecer para
começar a agir. O parse concordou e passou a falar a respeito da moça que pretendiam
socorrer.
(...)
Em síntese, podemos dizer que ela era filha de uma família muito rica de
Bombaim que vivia de negócios relacionados ao comércio. Toda a sua educação
havia sido proporcionada pelos ingleses e de tal forma se comportava que
qualquer um a tomaria por genuína europeia.
Seu nome era Aouda. Depois que os pais faleceram, foi forçada a se casar
com o velho rajá do território Bundelkund. Apenas três meses depois tornou-se
viúva. Fugiu logo que soube que seria imolada. Todavia foi capturada e todos
sabiam que os parentes do rajá pretendiam livrar-se dela. O suplício serviria a
este propósito.
(...)
Depois de ouvir a respeito de Aouda, Fogg convenceu-se ainda mais da
necessidade de libertá-la. E isso só podia ser feito por eles.
Decidiram que seguiriam com o elefante até o templo. O trajeto que
fizeram não levou mais de meia hora. Posicionaram-se junto a umas árvores. Não
visualizaram as instalações, mas puderam ouvir as vozes dos fiéis.
O guia parse conhecia o
templo e os quatro entenderam que só poderiam passar pelas portas quando todos
estivessem em sono profundo. Talvez fosse melhor abrir um buraco no muro, mas
só quando chegasse o momento propício é que tomariam a decisão final.
A única certeza que alimentavam
era a de que teriam de libertar a jovem naquela noite. Seria temerário agir com
a claridade do dia e faltando pouco tempo para a execução.
(...)
Às seis horas já não
havia luz do dia. Da parte do templo de Pillaji já não se ouvia nenhum grito
exaltado de faquir.
Era bem provável que os fanáticos estivessem em estado de
entorpecimento, pois que de acordo com seus rituais inalavam o “hang” (como o
próprio texto informa, trata-se de “ópio liquido misturado com uma infusão de
cânhamo”).
Os quatro aventureiros
decidiram percorrer o entorno para fazer um reconhecimento. Rastejaram por
cerca de dez minutos e alcançaram a margem de um rio. De onde estavam puderam
notar a madeira perfumada (sândalo) empilhada que seria usada para cremar o
rajá e a jovem viúva. Viram que o cadáver do príncipe já estava posicionado no
alto da pilha.
Certamente a moça se encontrava prisioneira no
interior do templo, que ficava a cerca de “cem passos da pira”. O parse liderou
o grupo e indicou que deviam segui-lo com todo cuidado.
Caminharam no meio do matagal até alcançarem uma clareira. Fizeram isso
no mais absoluto silêncio... Ouviam o sibilar do vento nos galhos e avistaram
dezenas de fanáticos, homens, mulheres e crianças em sono profundo. Certamente estavam
entorpecidos.
Mais ao fundo divisaram o templo. Viram que o prédio
estava iluminado por tochas e suas portas estavam muito bem vigiadas por guardas
fortemente armados. Provavelmente havia sacerdotes despertos no interior. Dessa
forma, o parse entendeu que não podiam seguir mais em frente.
Discutiram a respeito da situação o mais silenciosamente que puderam. O
general Cromarty explicou que ainda eram oito horas da noite e sendo assim
deviam aguardar até que os guardas dormissem.
Então os quatro se estenderam “ao pé de uma
árvore e esperaram”.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/a-volta-ao-mundo-em-oitenta-dias-de_24.html
Leia: A
Volta ao Mundo em Oitenta Dias – Coleção “Eu Leio”. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto