quarta-feira, 29 de março de 2017

“Minha Vida de Menina”, de Helena Morley – registros de 6 de julho de 1893 – um dia na casa de tia Aurélia; ajudando os primos a fazer doces para vender atrás da Sé; fiasco da receita e irritação de João Afonso; três pés-de moleque com qualidade suspeita vendidos a cem réis; registros de 24 de julho de 1893 a respeito do aniversário de Siá Aninha – primeira parte

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/minha-vida-de-menina-de-helena-morley_27.html antes de ler esta postagem:

No registro de 6 de julho de 1893, Helena apontou que num dos dias passados estivera com Luisinha na casa da tia Aurélia.
As duas tiraram umas horas para brincar com as primas. Helena destaca que a casa da tia ficava na cidade. Como já foi destacado na postagem anterior, tio Conrado era muito rigoroso com os filhos. Eles não podiam brincar na rua e para complicar ainda mais, a casa deles sequer tinha jardim.
A brincadeira das meninas resumia-se a “dar comidinha para as bonecas” o dia inteiro. Helena confessa que, aos treze anos, já não tinha o menor interesse nesse passatempo. Por isso ficou com os primos mais velhos que se inspiravam na própria mãe e faziam doces para vender.
(...)
Dona Aurélia arranjou dinheiro para os dois. João Afonso comprou amendoim, Sérgio comprou coco. Helena se divertiu ajudando-os. O primeiro pôs-se a fazer pés-de-moleque enquanto que o outro parecia levar jeito na confecção de cocadas.
As cocadinhas ficaram boas. Mas João não conseguiu acertar o seu doce, que parecia não ter a liga ideal. Era visível que o ponto não tinha ficado bom, então os demais experimentaram e passaram a caçoar e dar boas risadas da situação.
João irritou-se e subiu na mesa para espezinhar o resultado de seu esforço tão logo notou que as cocadas estavam prontas para serem vendidas.
Helena e Sérgio convenceram-no a deixar de nervosismo e que melhorasse o melado. As pessoas que comprassem não teriam a menor ideia do que tinha ocorrido... Ele se convenceu depois que lhe disseram que “o que os olhos não veem o coração não sente”.
O doce foi colocado novamente no tacho. O rapaz requentou a mistura e mexeu até que acertasse o ponto. Depois voltou a despejá-la na mesa para cortar no tamanho adequado. Todos notaram que a correção se dera em bem-sucedida. Então o rapaz organizou tudo numa bandeja e entregou à Delmira, que era a negra encarregada de vender as quitandas atrás da igreja da Sé. Cada doce era vendido por “um cobre”, três doces saíam por “cem réis”.
(...)
Os primos se posicionaram na sacada para observar a movimentação em torno da bandeja de Delmira. Eles queriam ver se as pessoas comeriam os pés-de-moleque que tinham sido pisoteados pelo João.
O rapaz não conseguia esconder o seu nervosismo a cada vez que isso acontecia. Andava de um lado para outro e desejava que a negra trouxesse os doces de volta. Se doía de remorso e dizia que sua maldade o levara a cometer um pecado. 
Aconteceu que Helena se divertiu com aquilo tudo. Com a ajudo dos demais, convenceu-o a aceitar que “porcaria cozida não faz mal”.
Afinal, quem se importava com aquilo?


(...)

Os registros do dia 24 de julho de 1893 fazem referências a um jantar de aniversário que ocorrera no dia anterior, um domingo.
No momento mesmo em que escrevia, Helena manifestava sua satisfação por poder relatar em seu diário os episódios que vivenciava. Dava razão ao pai, que a incentivara a escrever também para guardar as recordações.
Poderia guardar na memória casos tão engraçados como o que havia assistido no aniversário de Siá Aninha? Concluiu que pelo menos teria motivos para boas gargalhadas quando retomasse o caderno no futuro.
(...)
A aniversariante convidou dona Carolina para o jantar e salientou que levasse também os filhos, pois haveria muita comida.
De fato, seu Antônio Manuel costumava caprichar quando recebia as pessoas em sua casa.
Helena não esconde que nessas ocasiões aproveitava o mais que podia e, esperta como ela só, sentou-se à primeira mesa, “onde tudo é melhor”.
Tratou de não chamar a atenção de ninguém e permaneceu quieta junto aos que tinham fama de bons comedores e bebedores.
Foi assim que acabou presenciando situações nunca imaginadas por ela ou pelas colegas de escola.
Leia: Minha Vida de Menina. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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