Passaram a noite no bangalô abandonado.
No dia seguinte deram prosseguimento à viagem. Às seis horas da manhã o parse estava otimista quanto à marcha que realizariam. Calculava que chegariam a Allahabad durante a noite. Fogg teria motivos para agradecê-lo porque no final das contas teria perdido pouco tempo.
(...)
Depois de deixar a cadeia
de montanhas para trás, o elefante seguiu ainda mais rápido. O guia sabia que
devia evitar os povoados e é por isso que ao saber que se aproximavam da aldeia
de Kallenger conduziu Kiuni a certa distância do Cani, importante rio para os
habitantes locais.
A segurança das campinas desertas enchia o parse de
confiança. Estavam num ponto em que se notavam as depressões que levavam as
águas de riachos a rios que abastecem o Ganges.
Uns vinte quilômetros em direção ao nordeste separavam os viajantes de
seu destino. Pararam para descansar e aproveitaram para se alimentar das
bananeiras que marcavam a paisagem.
Duas horas depois o guia anunciou a partida. Pelos
motivos que já conhecemos, optou pela travessia de uma densa floresta.
A viagem seguiu tranquila até as quatro horas da tarde. Neste momento
Kiuni parou. O experiente parse viu que o animal estava inquieto e o general
Cromarty foi o primeiro a querer saber o que estava ocorrendo.
O parse respondeu que não sabia... Então procurou captar algum sinal da
floresta... Ouviu um murmúrio que aos poucos tornou-se audível para todos. Era
muito estranho! Dava para entender que uma multidão caminhava na direção em que
eles se encontravam. Pelo visto vinham numa cantoria estranha embalada por
instrumentos de cobre.
(...)
O jovem guia desceu do elefante e o amarrou numa árvore... Escondeu-se
numa folhagem para conferir o que estava acontecendo. Voltou-se para seus três
passageiros e explicou que avistara uma procissão brâmane. Pediu que eles se
mantivessem acomodados sobre o elefante, que foi levado para um local mais
escondido. De modo algum podiam ser vistos pelos fanáticos.
O rapaz se preparara para uma eventual fuga, mas não acreditava que isso
seria necessário porque estavam bem camuflados. Aos poucos o vozerio aumentou e
os cânticos encheram todo o ambiente. Tambores e instrumentos de metal ditavam
um ritmo monótono. Fogg, Passepartout e o general puderam ver a tudo bem
detalhadamente porque estavam a apenas cinquenta passos do cenário principal.
(...)
À frente estavam sacerdotes com indumentária específica e cheia de
ornamentos (usavam longas batas e mitras). Pessoas comuns faziam uma “reza
fúnebre” que prosseguia de acordo com a sinalização dos instrumentos sonoros
(tantãs e címbalos).
Na sequência da procissão, uma
plataforma de madeira era puxada por zebus. Sobre esses animais, os fiéis
haviam colocado ricas capas. A carroça tinha rodas imensas, cujos raios e eixos
lembravam “serpentes entrelaçadas”.
O carro levava a estátua de
uma deusa de imagem assustadora. Além dos quatro braços, ela apresentava “olhos
arregalados, cabelos revoltos, língua pendente e lábios exageradamente tingidos”.
Para completar a
visão apavorante, o pescoço do ídolo estava “ornado” com um “colar de cabeças
mortas”, e seu cinturão exibia “mãos decepadas”. Abaixo de seus pés havia a
imagem de um gigante sem cabeça.
Cromarty reconheceu no mesmo instante e explicou que aquela era a deusa
Kali... Emendou que ela era reconhecida como “deusa do amor e da morte”. Passepartout
comentou que fazia sentido ela ser adorada como deusa da morte, mas não admitia
que ela pudesse representar o amor porque era simplesmente horrorosa.
O parse sinalizou para que
parassem de falar no mesmo instante, pois era evidente que corriam risco.
Silenciaram e viram que ao redor do carro que conduzia a estátua de Kali
seguiam faquires.
Aqueles tipos eram velhos de aspecto medonho. Traziam
o corpo coberto por uma tinta ocre e por perfurações de onde saíam gotas de
sangue. Sabia-se que nas maiores cerimônias eles se atiravam sob as rodas dos
carros.
Mais atrás apareceram outros brâmanes que portavam vistosos trajes
orientais. Eles conduziam uma jovem que sequer conseguia manter-se de pé. Verne
destaca que sua pele era branca como a das europeias. Os fanáticos a enfeitaram
com várias joias distribuídas pelas mãos, braços, orelhas e pescoço. A mulher
trajava rico vestido coberto por uma túnica em que se notavam filetes de ouro.
Apesar da condição
degradante em que era puxada pelos fanáticos, seu aspecto era encantador. Logo
mais vinham brutamontes armados com sabres e pistolas. Esses guardas escoltavam
um fenomenal palanquim que transportava o cadáver de um rajá. O turbante e os
finos trajes (ornados com pérolas, ouro e diamantes) denunciavam a condição do
velho, que tinha as “armas de príncipe indiano” acomodadas junto ao cinto de
cachemira.
O cortejo era encerrado por músicos e inúmeros
fanáticos que soltavam gritos estridentes.
Continua em http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/a-volta-ao-mundo-em-oitenta-dias-de_91.html
Leia: A
Volta ao Mundo em Oitenta Dias – Coleção “Eu Leio”. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto