quinta-feira, 23 de março de 2017

“A Volta ao Mundo em Oitenta Dias”, de Júlio Verne – da “Coleção eu Leio” – explicando o “sutty”; sacrifício voluntário aos rituais da religião ou impossibilidade de prosseguir a vida condenada à imundície dos cães sarnentos; as dificuldades da administração inglesa nos territórios do Bundelkund; Fogg surpreende ao manifestar o desejo de libertar a vítima do sacrifício brâmane

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2017/03/a-volta-ao-mundo-em-oitenta-dias-de_23.html antes de ler esta postagem:

O cortejo era dos mais estranhos para Fogg e seu empregado Passepartout. Mas o general Cromarty entendia o que estava acontecendo e é por isso que não conseguia esconder sua tristeza.
Ele virou-se para o parse e sentenciou que aquilo se tratava de um “sutty”. Com um gesto, o rapaz respondeu afirmativamente ao mesmo tempo em que levava o dedo aos lábios indicando que era preciso manter silêncio total até que a procissão se encerrasse completamente.
(...)
O cortejo se foi e novamente os cânticos e instrumentos foram se extinguindo até que tudo voltasse a ser tomado pelo silêncio. Então Fogg quis saber o que era exatamente “sutty”. O general explicou que era um sacrifício humano que, apesar da violenta impressão que podia despertar à consciência dos civilizados ocidentais, era algo voluntário.
Com isso ele queria dizer que a participação da bela jovem que tinham acabado de ver sendo conduzida pelos sacerdotes brâmanes não era por acaso. Todo aquele povo passaria a noite na floresta e nas primeiras horas do dia seguinte assistiria ao seu sacrifício numa pira, onde seria queimada viva.
Phileas Fogg e Passepartout se manifestaram, mas apenas o criado francês parecia expressar indignação. Cromarty explicou que o funeral era do marido dela. Como puderam concluir, o tipo era um rico rajá, um dos príncipes que dominavam a região do Bundelkund.
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Fogg não entendia como os ingleses não conseguiram acabar de vez com aqueles costumes bárbaros. O general respondeu que na maior parte da Índia aquele tipo de sacrifício havia sido banido, mas em territórios como o do Bundelkund, onde os britânicos não exerciam influência, o “sutty” era comum. Em síntese, a parte mais ao norte da cadeia das Vindhias era palco de “assassinatos e pilhagens incessantes”.
Passepartout só pensava na crueldade que seria cometida contra a jovem. Queimada viva! O general confirmou e acrescentou que pelo visto ela mesma não teria outra saída, já que sua existência seria insustentável.
O militar explicou que no caso de ela não se submeter ao ritual seus familiares a repeliriam. Ela passaria a ser considerada uma “imunda”... Seus cabelos seriam cortados e, na condição de abandonada, provavelmente lhe dariam apenas um punhado de arroz. Morreria como definham os cães sarnentos.
Para não terminarem a vida de modo tão trágico, jovens esposas como aquela que viram eram levadas a se entregarem ao suplício. Evidentemente não é porque fossem fanáticas religiosas que se submetiam ao ritual macabro.
(...)
Cromarty revelou que quando residia em Bombaim, soube do caso de uma jovem viúva que solicitou permissão ao governador inglês para que fosse queimada viva com o cadáver do marido. Logicamente o administrador indeferiu o pedido. A saída que a mulher encontrou foi buscar o amparo de um rajá que reinava em território independente, onde o cerimonial macabro de fato ocorreu.
O relato do militar foi ouvido com atenção. O parse gesticulava com a cabeça dando a entender que conhecia aquela história. No final da falação de Cromarty, ele disse que o que tinham acabado de presenciar era diferente porque o sacrifício que ocorreria na manhã seguinte não era voluntário.
Cromarty estranhou a observação do guia e disse que, apesar de a moça estar sendo praticamente arrastada, ela não oferecia resistência. Então tudo indicava que o ritual não tinha nada de forçado.
O parse explicou que a jovem estava entorpecida pela fumaça de cânhamo e ópio, por isso não lutava para sobreviver. A procissão percorreria mais uns três quilômetros até chegar ao templo de Pillaji. Todos passariam a noite no local. O sacrifício ocorreria tão logo o dia amanhecesse.
(...)
O guia dirigiu-se ao elefante para desatá-lo da árvore onde estava preso. Tomou a sua posição e estava pronto para comandar os passos de Kiuni quando o senhor Fogg o fez parar.
Ele perguntou ao general o que ele pensava a respeito de salvarem a jovem que estava sendo conduzida ao sacrifício.
Cromarty soltou uma exclamação... Fogg respondeu que tinha “doze horas de folga” e podia “consagrá-las” à libertação da moça.
Cromarty reconhecia que o excêntrico Fogg comandava a situação e não fez nenhuma objeção. Apenas comentou com certa admiração que podia-se notar que o companheiro também era “homem de coração”.
Phileas Fogg respondeu que eventualmente podia dedicar-se àquele tipo de iniciativa desde que tivesse tempo.
Leia: A Volta ao Mundo em Oitenta Dias – Coleção “Eu Leio”. Editora Ática.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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