quinta-feira, 30 de junho de 2016

“A Guerra do Futebol”, de Ryszard Kapuscinski – a execução do guerrilheiro salvadorenho Victoriano Gomez – última parte – construindo o retrato de um mártir para o imaginário revolucionário latino-americano; silêncio; o fim

Talvez seja interessante retomar http://aulasprofgilberto.blogspot.com.br/2016/06/a-guerra-do-futebol-de-ryszard_30.html antes de ler esta postagem:

O estádio ficou lotado...
Os curiosos que chegavam sem encontrar lugares nas arquibancadas se acomodaram nas árvores...
Comerciantes aproveitaram o aglomerado para faturar com a venda de sorvetes e refrigerantes.
Todos perceberam que o esperado momento se aproximava quando um caminhão do exército estacionou no campo de jogo... Soldados desceram... Via-se que formavam o pelotão de fuzilamento... Depois foi a vez de Victoriano Gomez sair do veículo... De modo altivo, olhou para a arquibancada e disse o mais alto que pôde que era inocente.
Novo silêncio se apossou dos espectadores... Das posições reservadas às autoridades e “notáveis do lugar” surgiram vaias e apupos.
(...)
Quem não estava presente no estádio ou pendurado nas árvores das proximidades pôde acompanhar tudo através da transmissão televisiva... Todo o país (?) teve acesso ao programa minuciosamente planejado pelo governo.
As câmeras foram acionadas...
Victoriano Gomez havia sido posicionado na pista de atletismo. Mas os operadores de câmeras protestaram e exigiram que o condenado fosse encaminhado para o meio do campo... Certamente ali havia iluminação mais adequada e isso proporcionaria melhor visualização.
O próprio Gomez parecia entender a sua parte no espetáculo e encaminhou-se à área central sem oferecer qualquer resistência. Parou e fez “posição de sentido”. Das arquibancadas podia-se ver apenas uma “pequena silhueta”.
Kapuscinski comenta que isso subtraía um pouco da “crueldade da execução” e contribuía para que a morte fosse vista como “espetáculo”... Os que operavam câmeras fizeram o rosto do jovem se aproximar da tela... Apenas os telespectadores tiveram acesso a esse foco... Os presentes no estádio viam tudo de longe.
(...)

É preciso que se diga que o texto do polonês parece não corresponder ao que efetivamente ocorreu... Os recortes que temos do episódio não revelam o cenário que ele descreve... Não há como negar que a produção de Kapuscinski a respeito da execução do guerrilheiro salvadorenho é “romanceada” e apresenta tom panfletário. O “sacrifício do mártir” tal como é apresentado, sem dúvida, municia os seus críticos.

(...)
Na sequência do relato lemos que uma saraivada de tiros foi disparada pelo pelotão de fuzilamento.
O essencial do “espetáculo” só podia ser breve... Mas é claro que Kapuscinski tornou a expectativa em torno de seu ápice um enredo grandioso.
(...)
O corpo do rapaz foi ao chão, e logo os soldados do pelotão o cercaram... Os tipos contaram os tiros que o derrubaram... Treze...
O comandante aprovou... Depois recolheu a sua arma... Deu ordem para a retirada.
As arquibancadas foram se esvaziando... A transmissão chegou ao fim e os jornalistas teceram suas últimas considerações aos telespectadores (claro que a quantidade de aparelhos de televisão nem devia ser tão significativa no país).
O cadáver foi colocado no caminhão... Os soldados também tomaram seus lugares no veículo para partir.
A mãe de Victoriano permaneceu em silêncio e sem esboçar qualquer movimento.
Alguns mais curiosos a cercaram.
Silêncio.
Leia: A Guerra do Futebol. Companhia das Letras.
Um abraço,
Prof.Gilberto

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